sábado, 15 de setembro de 2012

Jogos da Vida e Jogos da Mente






Há poucos dias, eu revisava uma tradução do Osho na qual ele contava uma fábula do Mulla Nasrudin que queria roubar uma loja, mas ela era protegida por um cão de guarda.

Mulla então sentou-se ao seu lado, fechou os olhos e fingiu dormir. O cão, persuadido de que Mulla estava dormindo, relaxou e acabou dormindo também. Mulla então aproveitou o sono do cão e roubou toda a loja.







Osho nos alerta sobre os riscos de estarmos vivendo no meio de pessoas que dormem, pessoas inconscientes, pessoas que vivem feito robôs. Se não mantivermos os olhos bem abertos, se não estivermos alertas e atentos todo o tempo, facilmente entramos na mesma inconsciência, no mesmo sono, como o cão do Mulla, pois ele é contagiante.

E aqui voltamos à velha questão que nos é colocada pelos diversos mestres: ‘estar no mundo sem ser do mundo’. Como conseguir estar nesse mundo dominado pela inconsciência, pelo sono, e ao mesmo tempo permanecer alerta, atento, consciente?

Osho nos diz no livro Tao: The Three Treasures, “A vida é um jogo sem propósito, um jogo de infinitas forças – o jogo é belo, se você não tiver uma mente de quem quer alcançar algo; e é feio se você tiver a ambição de se tornar alguma coisa, de ser alguma coisa, de fazer alguma coisa. Relaxe. Abandone o futuro completamente. Somente este momento existe, e este momento é a eternidade. E esta vida é apenas tudo o que existe, não pense a respeito da outra margem.”

Minha mente lê essa frase e fica encantada, nem pensa em contestá-la. Mas olha ao redor e vê esse mundo de ambições e competições, de noticiários violentos na TV, de burocracias burras, de correrias, de desencontros. Vivemos envolvidos em relacionamentos e em tarefas do trabalho, com dores de cabeça e na coluna, comprando ou vendendo imóveis, enfrentando problemas com empregado ou com patrão, sobrecarregados de preocupações, frustrações, ansiedades, falsas esperanças, angústias.

Sei que o único problema é a minha mente. Ela é que lê e curte a frase do Osho e é ela que não consegue se desvencilhar desse mundo de problemas e ver a vida com outros olhos.

Meu desafio não é ler e curtir frases do Osho. Isso é fácil e é gostoso. Meu desafio é existencial, é estar no mundo e manter a consciência de que tudo isso que vejo através de minha mente é um jogo que se repete; e manter a consciência de que não sou essa mente que vê todo esse jogo. E ir além dessa mente e alcançar o estado de paz interna, clareza e relaxamento que me conecta com esse mesmo mundo através de um olhar de alegria, de compreensão e de aceitação, sem expectativas e sem julgamentos.

Esse é o meu desafio dia após dia. Estar nesse mundo, caminhar pelas ruas, ver as bancas de revistas, esperar pelo sinal verde e atravessar a rua, cruzar com pessoas bem vestidas e maltrapilhas, trocar palavras com a atendente no café e, acima de tudo, manter-me consciente de que não sou essa mente que caminha e registra todos os acontecimentos. Meu desafio é manter-me em estado meditativo, em sintonia com o silêncio e a quietude interior, para estar nesse mundo dia após dia, sem ser contagiado pela inconsciência das pessoas, dos jogos do mundo, de suas armadilhas e promessas fantasiosas.

Isso não é fácil. Mais fácil é buscar todas as justificativas para me afundar ainda mais nesse mundo ou então para escapar dele, buscando refúgio numa caverna, num mosteiro ou mesmo numa casa de campo. Uma alternativa ou outra são jogos da mente.

Osho também nos diz (Unio Mystica - Vol. 2), “A pessoa mundana está atrás do dinheiro, ela está jogando um jogo. A pessoa ‘do outro mundo’ está atrás da renúncia ao dinheiro, ela está jogando um outro jogo. A pessoa do mundo está interessada em ser bem sucedida, famosa, muito reconhecida. A pessoa religiosa está escapando para as cavernas, de modo que ninguém a reconheça, de modo que ela se torne anônima. Mas, se você quiser ser reconhecido pelos outros, ou se quiser ser NÃO reconhecido pelos outros, de qualquer forma está focado nos outros: o jogo é o mesmo.”

Aqui eu me ponho a perguntar qual o significado deste meu retorno à minha cidade natal depois de vários anos rodando pelo mundo, fazendo e acontecendo aqui e ali, entrando e saindo de buracos negros, dando saltos, encarando obstáculos, rompendo barreiras, experienciando novas aventuras, experimentando novos sabores do viver e do gostar de viver.

Depois de sentir a frustração de algumas expectativas não cumpridas, depois de não conseguir realizar alguns sonhos, depois de ver desmoronar algumas ilusões, algumas crenças, me vi sem vontade e sem interesse em prosseguir com uma série de projetos. Decidi voltar para o local onde meu cordão umbilical foi enterrado. Isso foi há três anos.

É claro que havia aqui questões não resolvidas esperando para eu resolver, haviam nós a serem desatados, algumas sombras que me perseguiam estavam ocultas atrás dos velhos casarões dessa província mineira.

Mas voltei, proclamando que estava à procura do anonimato, que queria caminhar a esmo, como um ninguém no meio da multidão. Escrevi bastante sobre isso neste blog. Mas, em outras palavras, eu posso dizer que também estava escapando para as cavernas. Eu continuava o mesmo jogo. E ao tomar consciência disso, este passa a ser um ângulo a mais para eu considerar nesse meu desafio de estar no mundo.

Quero aprofundar um pouco mais esta reflexão sobre o estar no mundo e para isso, trago um outro comentário do Osho, extraído da série Bodhidharma The Greatest Zen Master – cap. 1: “Vida após vida, correndo atrás de dinheiro. Vida após vida, correndo atrás de poder. Vida após vida correndo atrás de homens ou mulheres. Na medida em que você se torna consciente dessa longa série das mesmas estupidezes – nas quais você foi bem sucedido muitas vezes, mas nunca ganhou coisa alguma... E cada nova vida você teve que começar de novo do A, B, C. ..

Isso cria um grande tédio para com a vida, morte e o contínuo círculo vicioso. Este é o significado original da palavra SAMSARA; ela significa que a roda que segue movendo e movendo, não conhece nenhuma parada. Você pode pular para fora dela, mas você está agarrado nela.

E existe uma grande e urgente necessidade de se fazer algo que você nunca fez antes – a busca de seu próprio Ser. Você tem corrido atrás de tudo no mundo e isso não o levou a lugar algum. Todas as estradas no mundo seguem dando voltas e voltas, elas nunca alcançam algum fim. Elas não têm algum fim.”

Lendo esse texto, não consigo falar nada. Engulo seco apenas. E paro por alguns minutos.

Quantas palavras ditas e escritas, quanta conversa “jogada fora”, quanto ti-ti-ti pretendendo ser significativo, mas no fundo sem qualquer sentido. Refletindo sobre esses toques do Osho, a gente se cala. Lembro-me daquele primeiro encontro entre Gurdjeff e Ouspenski.

Ouspenski era um erudito, autor de vários livros e foi atrás da sabedoria de Gurdjeff que era um mestre. Gurdjeff lhe disse para escrever num papel tudo o que ele sabia, pois o que ele sabia não lhe seria ensinado. Ele já sabia. Gurdjeff iria lhe ensinar aquilo que ele não soubesse.

Mas depois de algumas horas, Ouspenski voltou com o papel em branco; depois de algumas horas olhando para tudo que havia dito e escrito em toda a sua vida, só pode concluir que nada sabia, e que queria que Gurdjeff lhe ensinasse tudo. É como a gente se sente após a leitura desses toques do Osho.

E para concluir esta reflexão, na série Zen: The Path of Paradox, ele comenta: “O Zen diz que a mente é SAMSARA, o mundo, e que a mente é NIRVANA também. Isso é tudo um jogo da mente. Lembre-se, o Zen diz que isso é tudo um jogo da mente – sem qualquer exceção. Mesmo o seu Deus é o supremo jogo da mente, é o jogo do além. Aqui é onde o Zen é muito superior às outras religiões.

É por isso que o Zen é absolutamente silencioso a respeito de Deus. Não que Deus não exista – mas o Deus sobre o qual nós podemos falar é um jogo da mente, ele será a nossa projeção. Meera projeta Krishna, Teresa projeta Cristo, Ramakrisna projeta a Mãe Kali – mas são tudo projeções.

Uma vez que você acredita, você cria a realidade. Essa é toda a estrutura da hipnose e essa é toda a estrutura do seu mundo – o mundo em que você vive.

O Zen quer que você vá além dele. O Zen quer que você veja que a sua derrota é uma crença, a sua vitória é uma crença, a sua força é uma crença, a sua fraqueza é uma crença, você ser um pecador é uma crença, você ser um santo é uma crença. Tudo são crenças, conceitos mentais, jogos da mente. O seu Deus é um jogo do além. Abandone todas as crenças. Então o relativo desaparece e surge o real.”

Concluindo, só o silêncio.

Bodhi Champak
Sannyasin do Osho desde 1986 


Fonte: Blog do Champak