domingo, 24 de março de 2013

Expondo Nossa Vida Secreta


A sombra prospera quando temos segredos. No instante em que fechamos a porta para um ou mais aspectos particulares, co­locamos em movimento uma vida secreta.

Há um provérbio nos programas dos doze passos: "Seus segredos o mantêm doente".


Em meus anos de trabalho com pessoas, posso afirmar que isso é verdade. Não há do que se envergonhar, pois a maioria de nós tem uma vida aberta e outra secreta. Temos uma persona, que mostramos ao mundo, e uma vida secreta, que mantemos escondida.

Construímos uma vida secreta para esconder as partes de que mais nos envergonhamos de assumir. Pode ser uma área da vida que dá vergonha, ou um comportamento que tememos ser inaceitável para quem amamos.

Talvez seja uma área de nossa vida que esteja fora de controle, um vício ou dependência com que relutamos, ou uma fantasia sobre a qual receamos falar. Quando nosso comportamento é incompatível com a máscara que usamos, nós nos esforçamos muito para escondê-lo.

Podemos ser muito ternos e atenciosos com todos com quem temos contato durante o dia, e depois, ao chegar em casa à noite, gritamos com os filhos. Talvez nos comporte­mos como intelectuais brilhantes diante dos colegas, mas em casa ficamos assistindo a programas fúteis na TV ou jogando videogame.

Talvez estejamos em um relacionamento de compromisso, mas traímos em segredo; ou agimos como alguém que galgou o sucesso pessoal, quando, na verdade, vivemos secretamente à custa de nossos pais. A vergonha não resolvida nos leva a traduzi-la em ações; ela acaba surgindo em atitudes que revelam certas partes da vida que vínhamos tentando ocultar.

Podemos trabalhar dia e noite tentando controlar os impulsos ocultos para que não venham à tona, mas estamos apenas a um passo de agir de uma maneira que mine o respeito próprio. Se estivermos escondendo uma parte de nossa vida na qual agimos sem integridade, isso acabará sendo exposto à medida que assinamos cheques sem fundo ou mentimos na declaração do imposto de renda.

Se habitualmente encobrimos sentimentos de solidão, eles podem vir à tona, na calada da noite, através de uma fome insaciável por açúcar, álcool ou sedativos que preencham o vazio que sentimos. Se a raiva que sentimos décadas atrás não for enfrentada e liberada, poderá se expressar transforman­do-nos em pais ranzinzas ou cônjuges briguentos.

Talvez o descontentamento por saber que os pais se traíam possa nos tornar atraídos por parceiros não confiáveis e emocionalmen­te abusivos. Pode ter acontecido de nossa curiosidade sexual normal ter sido sufocada em tenra idade, originando um fas­cínio insaciável por pornografia ilegal e sexo de risco.

No entan­to, para nos livrar de compulsões incontroláveis que nos levam a uma vida secreta, precisamos encontrar meios de expressar os aspectos reprimidos, para que possamos ficar em segurança quanto aos comportamentos que podem sabotar nossa vida.

Matthew era chefe de equipe de uma prestigiada univer­sidade de medicina. Era admirado pelos colegas e tinha uma esposa amorosa e três filhos saudáveis. Embora aos olhos de todos ele parecesse um pilar da sociedade, Matthew se via en­tediado com seu intelecto e todas as honras que acompanham o sucesso.

Uma noite, depois do plantão médico, ele voltou para casa e foi assistir à TV, tarde da noite. Ficou fascinado por uma jovem atriz que estrelava um filme e decidiu pesqui­sar sobre ela na internet. Uma coisa levou à outra e, enquanto ele visitava um site pornô, clicou em um anúncio de uma bo­ate de striptease.

As imagens o deixaram muito excitado. Sua mente começou a divagar e ele pensou em passar na boate no próximo dia de folga. Sentindo uma pontada de empolgação e medo, racionalizou sua decisão, ponderando que, já que a boate era do outro lado da cidade, poderia apenas colocar um boné para evitar ser reconhecido.

Em pouco tempo, as visitas à boate tornaram-se habituais para Matthew. Ele se via cada vez mais atraído por uma das mulheres e acabou marcando um encontro. As histórias que contava à esposa se tornavam cada vez mais complicadas, com muitas mentiras.

Ele passou a procurar conferências nas partes mais remotas do país, de modo a poder desfrutar de fins de semana de depravação, sem se preocupar em ser flagrado. Como o sexo com a esposa passou a ser menos fre­quente e excitante, ele foi ficando mais aventureiro e começou a correr mais riscos.

Comprava e levava com ele lingerie e rou­pas sensuais para que as mulheres usassem. Em um fim de semana, Maria, mulher de Matthew, pegou o carro dele para levar as crianças à aula de tênis e, quando abriu o porta-malas para tirar o equipamento, notou uma mala médica que nunca tinha visto.

Depois de deixar as crianças na aula, voltou ao estacionamento e, por instinto, abriu a mala. Fi­cou chocada ao encontrar lingerie transparente, camisinhas e um estoque de parafernália sexual, tudo guardado dentro da pequena mala. Querendo entender a extensão da infidelidade do marido, começou a vasculhar as faturas de cartão de crédi­to, o histórico da internet, as contas de celular.

Depois de estu­dar o comportamento dele por várias semanas, ela descobriu a dimensão da vida secreta que Matthew estava levando, e que girava em torno de boates de striptease, acompanhantes e inú­meros programas noturnos.

Após várias semanas de sofrimento silencioso, Maria decidiu confrontar Matthew com todas as provas que havia descoberto. Sem nada a dizer, o comportamento oculto agora exposto, Matthew estava diante da tarefa de tirar o véu dos anseios não realizados que o levaram a criar esse vazio entre a persona e a vida particular.

Conforme o choque das consequências de sua vida secreta veio à tona, ele ficou desgostoso, porque sua sombra o iludira e o levara a um comportamento que ele jamais sonhara ser capaz de ter. Como a maioria dos viciados em sexo, Matthew precisava de ajuda, e logo desco­briu que não era apenas sexo que procurava, mas também bus­cava atenção, admiração e empolgação.

Se tivesse sido capaz de ver e reconhecer esses desejos secretos, poderia ter procura­do o apoio que precisava antes de seu comportamento sair do controle. Em vez disso, a sombra o fez perder o casamento e a dignidade.

Ao longo dos anos, já ouvi incontáveis pessoas em meus seminários compartilhando histórias parecidas. Sem pensar, elas se tornam alguém que nunca quiseram ser. A conclusão disso tudo é que, se não lidarmos com os aspectos ou impulsos sombrios e os sentimentos reprimidos, eles vão lidar conosco.

Como diz meu amigo, dr. Charles Richards: "Ignorar nossa sombra reprimida é como trancar alguém no porão até que ele faça algo dramático para conseguir nossa atenção".

Se nos recusarmos a revelar a sombra por vontade própria, corremos o risco de ficar na linha de fogo do que eu chamo de Efeito Sombra. Sem qualquer alento à vista para nossas partes reprimidas, elas assumem vida própria.

Ao liberar a culpa e a vergonha que carregamos, quando parte de nossa vida está oculta na escuridão, podemos abrir as portas do porão e trocar a vida secreta por uma vida autêntica.

Quando negamos a nós mesmos uma válvula de escape segura para o lado sombrio — ou nos recusamos a sequer reco­nhecer sua existência —, isso vai se acumulando e se torna uma força capaz de destruir nossa vida, assim como a de todos que estão a nossa volta.

Quanto mais tentamos reprimir os aspec­tos de nossa personalidade, que julgamos inaceitáveis, mais eles encontram meios nocivos de se expressar. O Efeito Sombra ocorre quando a própria escuridão reprimida torna sua presença conhecida, levando-nos a agir de maneira inconsciente e inesperada.

Isso acontece quando algo no mundo externo força a escuridão a sair de seu esconderijo e subitamente fica­mos cara a cara com os traços, comportamentos e sentimentos do personagem que mantivemos escondido na vida secreta.

O Efeito Sombra não é algo que planejamos. Na verdade, é algo que a maioria de nós investiu tempo e energia para tentar evi­tar. Mas, quando entendemos esse fenômeno, podemos des­vendar o mistério da sabotagem pessoal.

Debbie Ford


Fonte: Extraído do Livro "O Efeito Sombra"