terça-feira, 13 de agosto de 2013

O Autoconhecimento é a Maior das Rebeldias





Conhecer a si mesmo é a coisa mais difícil. Não deveria ser assim. Deveria ser exatamente o oposto — a coisa mais simples.






Mas não é — por muitas razões. Tornou-se tão complicado, pois você investiu tanto na autoignorância que parece quase impossível retornar, voltar à fonte, encontrar a si mesmo.

Toda a sua vida, tal como ela é, como é aprovada pela sociedade, pelo Estado, pela Igreja, está baseada na autoignorância. Você vive sem se conhecer, porque a sociedade não quer que você se conheça. É perigoso para a sociedade. Um homem que conhece a si mesmo está destinado a ser rebelde.

O conhecimento é a maior das rebeldias — quer dizer, o autoconhecimento, não o conhecimento acumulado através de escrituras, não o conhecimento encontrado nas universidades, mas o conhecimento que acontece quando você encontra o seu próprio ser, quando chega a si mesmo na sua nudez total; quando você se vê como Deus o vê, não como a sociedade gostaria de vê-lo; quando você vê o seu ser natural, no seu florescimento total e selvagem — não o fenômeno civilizado, condicionado, educado, polido.

A sociedade está interessada em fazer de você um robô, não um revolucionário, porque o robô é mais útil. É fácil dominar um robô; é quase impossível dominar um homem de autoconhecimento. Como se pode dominar um Jesus? Como se pode dominar um Buda ou um Heráclito? Ele não cederá, não obedecerá a ordens. Ele se moverá através de seu próprio ser.

Será como o vento, como as nuvens; ele se moverá como os rios. Será selvagem — naturalmente belo, natural, mas perigoso para a falsa sociedade. Ele não se ajustará. A menos que criemos no mundo uma sociedade natural, um Buda continuará sendo sempre um desajustado, um Jesus certamente será crucificado.

A sociedade quer dominar; as classes privilegiadas querem dominar, oprimir, explorar. Gostaria que você permanecesse completamente inconsciente de si mesmo. Esta é a primeira dificuldade. E a pessoa tem de nascer numa sociedade. Os pais fazem parte da sociedade, os professores fazem parte da sociedade, os padres fazem parte da sociedade. A sociedade está em toda parte, à sua volta.

Parece realmente impossível — como escapar? Como encontrar a porta que leva de volta à natureza? Você está cercado por todos os lados.

A segunda dificuldade vem do seu próprio ser — porque você também gostaria de oprimir, de dominar; você também gostaria de possuir, de ser poderoso. Um homem de autoconhecimento não pode ser escravizado, e também não pode escravizar ninguém.

Não se pode oprimir um homem de conhecimento e um homem de conhecimento não pode oprimir ninguém. Ele não pode ser dominado e não domina. A dominação simplesmente desaparece nessa dimensão. Você não pode possuí-lo e ele não possui ninguém. Ele é livre e ajuda os outros a serem livres.

Esta é uma dificuldade ainda maior do que a primeira. Você pode evitar a sociedade, mas como evitar o seu próprio ego? Você sente medo — porque um homem de conhecimento simplesmente não pensa em termos de posse, de domínio, de poder. É inocente como uma criança. Ele gostaria de viver totalmente livre, e gostaria que os outros também vivessem livres. Esse homem será uma liberdade aqui neste seu mundo de escravidão.

Você gostaria de não ser explorado? Sim, você responderá, você gostaria de não ser explorado. Gostaria de não ser um prisioneiro? Sim, você gostaria de não ser um prisioneiro. Mas gostaria também da outra coisa? — de não prender ninguém? Não dominar, não oprimir e explorar? Não matar o espírito, não transformar o outro num objeto? Isso é difícil. E lembre-se: se você quiser dominar, você será dominado. Se você quiser explorar, você será explorado. Se você quiser que alguém seja seu escravo, você será escravizado.

Os dois lados pertencem à mesma moeda. Esta é a dificuldade do autoconhecimento. Senão, o autoconhecimento seria a coisa mais simples, a mais fácil. Não haveria nenhuma necessidade de se fazer qualquer esforço.

Os esforços são necessários para essas duas coisas, elas são as barreiras. Observe e veja essas duas barreiras, e comece abandonando a sua. Primeiro, pare de dominar, de possuir e explorar, e de repente será capaz de escapar da armadilha da sociedade.

O ego é o problema, é por isso que você não se pode conhecer. O ego lhe dá indubitáveis imagens falsas de si mesmo. E se você carrega essas imagens consigo durante muito tempo, começa a sentir medo. Teme que se a sua imagem desmoronar, a sua identidade será quebrada.

Você cria uma falsa face e depois sente medo: se essa máscara cair, .quem será você? Você enlouquecerá. Você investiu demais nela. E todos pensam em si mesmos em termos tão elevados, em termos tão falsos; ninguém concorda com eles, ninguém os aprova, mas o ego deles acha que todos estão errados.

Eu conhecia um homem muito velho. Vivia numa cidade, na mesma casa, há quase meio século; nunca saíra da cidade, na verdade nem mesmo conhecia a cidade. Ficava sempre em casa, era um tipo de homem muito introvertido e isolado; não tinha amigos, não se casara, era um solteirão; não tinha filhos, e seus pais já haviam morrido — era só.

As pessoas o consideravam um pouco excêntrico, um pouco louco. Ninguém jamais o visitava e ele nunca saía para ver ninguém. Então, de repente, surpreendeu toda a cidade e a vizinhança: estava mudando para a casa do lado. Os vizinhos perguntaram: "Por que?" Durante meio século ele tinha vivido na mesma casa —por que, tão de repente? O homem disse: "Rapazes, parece ser o cigano que existe em mim."

É a imagem dele. Se você concorda ou não, não interessa; mas ele acha que é um cigano. E é assim que vocês todos estão carregando suas próprias imagens.Surge o primeiro problema: se você quer conhecer a si mesmo tem de abandonar suas falsas imagens, tem que se ver como você é — e isso não é muito bonito, esse é o problema.

Não é muito bonito, e é por isso que você criou belas imagens — para se esconder. Se você se vir na sua nudez total, não verá uma cena muito bonita: verá raiva, verá ciúme, verá ódio, verá milhões de coisas erradas ao seu redor. E você se considera uma grande amante — e tem ciúme, possessividade, ódio, raiva, e todos os tipos de negatividade. Você se considera uma pessoa muito bonita — mas quando entra dentro de si mesmo, encontra a feiúra... e imediatamente dá as costas.

É por isso que há milhares de anos os Budas têm ensinado: "Conhece-te a ti mesmo." Mas ninguém os ouve. Conhecer-se parece ser uma coisa tão difícil — por que? Porque você tem de enfrentar fenômenos feios. Eles existem e é preciso passar por eles.

Você tem um belo ser interior, mas esse belo ser não está na periferia, está no centro. Para alcançar o centro, você tem de passar pela periferia. E você não pode fugir, não há como escapar, é preciso passar por ela. Você tem de atravessar toda a feiúra, toda a negatividade, ódio, ciúme, violência, agressão, e se estiver pronto e maduro o suficiente para passar pela periferia, só então alcançará o centro. Aí a cena muda.

No centro, você é Deus; na periferia, é o mundo — e o mundo é feito. Na periferia você nada mais é que uma sociedade em miniatura, e a sociedade é feia. Na periferia você é um Napoleão, um Hitler, um Gengis Khan, um Timur Leng, todos os políticos e todos os loucos do mundo. Na periferia você é uma miniatura de tudo isso; é toda a história da agressividade, da violência, da opressão, da escravidão.

Na periferia, lembre-se, você é a história que pertence a este mundo. Tudo está envolvido; tem de ser assim porque a mente não lhe pertence, é um produto social. A mente carrega todos os germes do passado, todos os males do passado, toda a feiúra do passado, porque a mente pertence ao coletivo.

Existem determinados momentos em que você pode ver ou observar o seu próprio Genghis Khan, o seu próprio Hitler. Existem momentos em que você pode ver que gostaria de assassinar, de matar e destruir o mundo inteiro.

Você precisa ser corajoso para passar pela periferia, para ser uma testemunha. E se você conseguir penetrar nessa periferia, nessa sociedade, na história, então você será, no centro, o próprio Deus. Há então uma beleza infinita — mas essa beleza infinita é intocável pela sociedade, não é a periferia. Então você é inocente como um recém-nascido, fresco como uma gota de orvalho pela manhã, incontaminado.

Mas para chegar a isso, você tem de passar por toda a feiura. Toda a história do homem tem de ser atravessada. Você não pode simplesmente evitá-la.É isso o que você tem feito. E é por isso que o autoconhecimento tornou-se difícil — você quer evitá-lo.

A única maneira de evitá-lo é fechar os olhos, não ver. Criar como contrapartida um sonho privado. Olhar para você mesmo como você gostaria de ser — todos os ideais, utopias, belas imagens. Fazer um pequeno nicho perto da periferia — bonito, enfeitado—e não olhar para a periferia, ficar de costas para ela.

E então Heráclito diz: "Conhece-te a ti mesmo", porque essa é a única sabedoria.Você tem medo de sair do seu lugar enfeitado, porque bem perto dele está o vulcão — entrará em erupção a qualquer momento.

Assim, as pessoas falam sobre o autoconhecimento, discutem a respeito, escrevem sobre ele, criam sistemas, mas nunca o experimentam. Mesmo os que estão sempre falando em conhecer o ser, falam apenas nisso, argumentam a respeito, discutem, mas nunca o experimentam na realidade efetiva.

E o autoconhecimento é uma experiência existencial, não uma teoria. Teorias não funcionarão. Teorias também serão apenas parte da sua decoração. Elas não quebrarão o gelo. Elas não romperão a periferia. Não o levarão para o centro.

OSHO, em "A Harmonia Oculta - Discursos Sobre os Fragmentos de Heráclito"


Trecho Extraído da Palestra Proferida em ( 23 de dezembro de 1974)