quarta-feira, 24 de julho de 2013

O Direito a Felicidade







Para mim o próprio objetivo da vida é perseguir a felicidade. Isso está claro. Se acreditamos em religião, ou não; se acreditamos nesta religião ou naquela; todos estamos procurando algo melhor na vida. Por isso, para mim, o próprio movimento da nossa vida é no sentido da felicidade...








Com essas palavras, pronunciadas diante de uma plateia numerosa no Arizona, o Dalai-Lama expôs o cerne da sua mensagem. No entanto, sua afirmação de que o propósito da vida era a felicidade levantou na minha cabeça uma questão.

- O senhor é feliz? - perguntei-lhe mais tarde, quando estávamos sozinhos.
- Sou - respondeu ele e depois acrescentou. - Decididamente... sou. -

Havia na sua voz uma sinceridade tranquila que não deixava dúvidas, uma sinceridade que se refletia na sua expressão e nos seus olhos.

- Mas será que a felicidade é um objetivo razoável para a maioria de nós? - perguntei. Possível?
- É. Para mim, a felicidade pode ser alcançada através do treinamento da mente.

Num nível básico de ser humano, eu não podia deixar de me sensibilizar com a ideia da felicidade como um objetivo atingível. Como psiquiatra, porém, eu estava sobrecarregado com ideias como a opinião de Freud de que se sente a "propensão a dizer que a intenção de que o homem seja "feliz" não faz parte dos planos da Criação".

Esse tipo de formação levou muitos na minha profissão à conclusão sombria de que o máximo que se poderia esperar era "a transformação da aflição histérica em mera infelicidade". A partir dessa perspectiva, a afirmação de que havia um caminho bem definido até a felicidade parecia ser uma ideia totalmente radical.

Quando voltei meu olhar para os anos que passei na formação psiquiátrica, raramente consegui me lembrar de ter ouvido a palavra "felicidade" ser sequer mencionada como objetivo terapêutico. Naturalmente, havia bastante conversa sobre o alívio dos sintomas de depressão ou ansiedade do paciente, de resolver conflitos interiores ou problemas de relacionamento; mas jamais com o objetivo expresso de tornar o paciente feliz.

No Ocidente, o conceito de alcançar a verdadeira felicidade sempre pareceu mal definido, impalpável, esquivo. Até mesmo a palavra happy é derivada do termo happ em islandês, que significa sorte ou oportunidade. Parece que a maioria de nós encara da mesma forma a misteriosa natureza da felicidade.

Naqueles momentos de alegria que a vida proporciona, a felicidade dá a impressão de
ser algo que caiu do céu. Para minha cabeça de ocidental, ela não parecia ser o tipo de aspecto que se pudesse desenvolver e sustentar, apenas com o "treinamento da mente".

Quando levantei essa objeção, o Dalai-Lama deu a explicação de imediato.

- Quando falo em "treinar a mente" neste contexto, não estou me referindo à "mente" apenas como a capacidade cognitiva da pessoa ou seu intelecto. Estou, sim, usando o termo no sentido da palavra Sem, em tibetano, que tem um significado muito mais amplo, mais próximo de "psique" ou "espírito"; um significado que inclui o intelecto e o sentimento, o coração e a mente. Por meio de uma certa disciplina interior, podemos sofrer uma transformação da nossa atitude, de todo o nosso modo de encarar e abordar a vida.

"Quando falamos dessa disciplina interior, é claro que ela pode envolver muitos aspectos, muitos métodos. Mas em geral começa-se identificando aqueles fatores que levam à felicidade e aqueles que levam ao sofrimento. Depois desse estágio, passa-se gradativamente a eliminar os que levam ao sofrimento e a cultivar os que conduzem à felicidade. É esse o caminho."

0 Dalai-Lama afirma ter atingido certo grau de felicidade pessoal. E, ao longo da semana que passou no Arizona, eu testemunhei com frequência como essa felicidade pessoal pode se manifestar como uma simples disposição para entrar em contato com o outro, para gerar uma sensação de afinidade e boa vontade, até mesmo nos encontros mais curtos.

Um dia de manhã, depois da sua palestra aberta ao público, o Dalai-Lama seguia por um pátio externo no caminho de volta ao seu quarto no hotel, cercado pelo séquito de costume. Ao perceber uma camareira do hotel parada perto dos elevadores, ele parou para perguntar de onde ela era.

Por um instante, ela pareceu surpresa com aquele homem de aparência exótica, de vestes marrom avermelhadas, e demonstrou estar intrigada com a diferença do séquito. Depois, ela sorriu. - Do México - respondeu com timidez.

O Dalai-Lama fez uma rápida pausa para falar alguns instantes com ela e então seguiu adiante, deixando-a com uma expressão de enlevo e prazer. No dia seguinte, à mesma
hora, ela apareceu no mesmo local com outra integrante da equipe de camareiras, e as duas o cumprimentaram calorosamente enquanto ele ia entrando no elevador. A interação foi rápida, mas as duas pareciam radiantes de felicidade enquanto voltavam ao trabalho.

Todos os dias daí em diante, reuniam-se a elas mais algumas camareiras no local e horário designado, até que no final da semana já havia ali dezenas de camareiras, nos seus uniformes engomados em cinza e branco, formando uma linha de recepção que se estendia ao longo do trajeto até os elevadores.

Nossos dias são contados. Neste exato momento, muitos milhares de pessoas vêm ao mundo, algumas fadadas a viver apenas alguns dias ou semanas, para depois sucumbirem tragicamente com alguma doença ou outra desgraça. Outras estão destinadas a abrir caminho até a marca dos cem anos, talvez até a ultrapassá-la um pouco, e a provar cada sabor que a vida tem a oferecer: a vitória, o desespero, a alegria, o ódio e o amor. Nunca sabemos.

Quer vivamos um dia, quer um século, sempre resta uma pergunta crucial: Qual é o propósito da vida? O que confere significado à nossa vida?

O propósito da nossa existência é buscar a felicidade. Parece senso comum, e pensadores ocidentais como Aristóteles e William James concordaram com a ideia. No
entanto, será que uma vida baseada na busca da felicidade pessoal não seria, em si, egocêntrica, até mesmo comodista? Não necessariamente.

Na realidade, pesquisas e mais pesquisas revelaram que são as pessoas infelizes que costumam ser mais centradas em si mesmas e que, em termos sociais, com frequência são retraídas e até mesmo hostis.

Já as pessoas felizes são em geral consideradas mais sociáveis, flexíveis, criativas e capazes de suportar as frustrações diárias com maior facilidade do que as infelizes. E, o que é mais importante, considera-se que sejam mais amorosas e dispostas ao perdão do que as infelizes.

Pesquisadores desenvolveram algumas experiências interessantes que revelaram que as pessoas felizes demonstram um certo tipo de abertura, uma disposição a estender a mão e ajudar os outros. Eles conseguiram, por exemplo, induzir um estado de espírito de
felicidade numa pessoa que se submeteu ao teste, criando uma situação em que ela inesperadamente encontrava dinheiro numa cabine telefônica.

Fingindo ser um desconhecido, um dos participantes da experiência passou então por ali e deixou cair "acidentalmente" uma pilha de papéis. Os pesquisadores queriam saber se o objeto da experiência pararia para ajudar o desconhecido.

Em outra situação, levantou-se o ânimo dos objetos da experiência com um disco de piadas, e eles depois foram abordados por alguém que passava por necessidade (também de conluio com os pesquisadores) e queria apanhar dinheiro emprestado.

Os pesquisadores concluíram que os objetos da experiência que estavam se sentindo felizes tinham maior probabilidade de ajudar alguém ou de emprestar dinheiro do que indivíduos num "grupo de controle", a quem era apresentada a mesma oportunidade de ajudar, mas cujo estado de espírito não havia sido estimulado com antecedência.

Embora esses tipos de experiência contradigam a noção de que a procura e a realização da felicidade pessoal de algum modo levam ao egoísmo, todos nós podemos conduzir nossa própria experiência no laboratório do nosso próprio dia-a-dia. Suponhamos, por exemplo, que estejamos parados num congestionamento.

Depois de vinte minutos, o trânsito volta a fluir, ainda a uma velocidade muito baixa. Vemos alguém em outro carro fazendo sinais de que quer passar para nossa faixa à nossa frente. Se estivermos de bem com a vida, é maior a probabilidade de reduzirmos a velocidade para deixar a pessoa entrar.

Se estivermos nos sentindo péssimos, nossa reação pode ser simplesmente a de aumentar a velocidade e fechar o espaço. "Ora, se eu estou aqui parado esperando todo esse tempo, por que os outros não podem
esperar?"

Partimos, então, da premissa básica de que o propósito da nossa vida é a busca da felicidade. É uma visão da felicidade como um objetivo verdadeiro, um objetivo para a realização do qual podemos dar passos positivos.

E, à medida que começarmos a identificar os fatores que levam a uma vida mais feliz,
estaremos aprendendo como a busca da felicidade oferece benefícios não só ao indivíduo, mas à família do indivíduo e também à sociedade como um todo.

Dalai Lama e Howard C. Cutler


Fonte: Extraído do Livro "A Arte Da Felicidade: Um Manual Para A Vida"