terça-feira, 5 de junho de 2012

O "Trabalho" do Osho








O legado que Osho nos deixou é muito vasto, variado e profundo. São muitas as esferas e as dimensões de sua abordagem, com insights sobre questões que muitas vezes nos surpreendem, embora paradoxalmente as consideremos absolutamente óbvias.









Enquanto mestre iluminado, ele sempre insistiu que não queria seguidores. Ao contrário, ele nos incentiva a irmos para dentro, meditarmos e encontrarmos nosso mestre interior. Ele nos quer livre de todas as muletas, inclusive dele próprio. Várias são as suas estratégias para quebrar nossas resistências, para nos provocar e encorajar a darmos os passos que precisamos dar, para nos sacudir e abrir nossos olhos.

É claro que muitos não entenderam e não entendem estas suas estratégias. Ficam olhando para o dedo que aponta para a lua e não conseguem ver a lua. E o pior: nada conseguem ver além dos Rolls-Royces e nada conseguem ver além das piadas picantes, sobretudo aquelas em que ele debocha de outros mestres espirituais.

Mas tudo isso sempre funcionou como um filtro para Osho: só chegam até ele aqueles que conseguem ver o algo a mais escondido por trás das palavras, por trás das aparências, por trás de suas estratégias.

Muitos até conseguem ver algo além dessas aparências, mas ainda ficam amarrados, questionando a construção lógica (ou a falta dela) no que supostamente entendem como sendo o “pensamento” do Osho, sem perceber que nada existe como sendo seu pensamento, seu ensinamento, sua filosofia, ou coisa assim.

Na verdade, estar com Osho é um constante desafio à desconstrução e um convite a entrarmos no espaço de não-mente. Para muitos, são desconcertantes certas afirmações do Osho que, na verdade, são significativas dentro de sua abordagem. É quando, por exemplo, ele cita e endossa para si mesmo a passagem de um mestre que diz a seu discípulo, “se eu cruzar o seu caminho, ainda que seja num sonho, corte a minha cabeça.”..

Ou naquela sua resposta a um buscador que lhe agradecia pela ajuda valiosa que encontrou em seus livros. Osho lhe disse, “os meus livros terao sido realmente úteis, quando você for capaz de jogá-los na fogueira.” Ou seja, livre-se mim; construa o seu próprio caminho e siga-o, sem nenhum guia externo, sem nenhum guru, a não ser o seu próprio ser.

Aliás, é o que ele diz na continuação do Texto do Mês desta edição: “O Mestre tem apenas que torná-lo consciente de seu Mestre interior. Daí em diante, ele pode deixá-lo consigo mesmo, pois a sua função estará realizada.”

Mas a mente é esperta e se vale dessas afirmações para deixar de lado os desafios e as provocações que a cada esquina o caminho nos apresenta. A preguiça espiritual e a sabotagem do ego optam pelo mais fácil, pelos atalhos que são anunciados em todos os quiosques desta grande feira que é a vida. E se valem do fato de Osho não estar mais no corpo para levantar questionamentos e dúvidas.

É aí que surge aquela legião dos que afirmam ser necessário estar na presença de um mestre vivo. Osho já não é o bastante para as suas necessidades. E perguntamos: a partir de quê essas pessoas chegaram a tal conclusão? Se elas nunca estiveram na presença de um iluminado, como podem saber que tal presença física é indispensável para seu crescimento?

É claro que quando Osho estava no corpo, ele fez tal afirmação, convidando-nos para estar em sua presença. Mas ele próprio nos dizia, em seguida, para voltarmos para o mundo, pois era aqui que tínhamos que estar. E dizia mais: estando no mundo, iríamos sentir que a presença dele permaneceria ao nosso lado.

Mais tarde ele ainda disse que quando deixasse o corpo, seria mais fácil estar conosco, pois agora não teria mais um fardo para carregar. Afinal, onde ele estaria após deixar o corpo? Ele disse que iria estar dissolvido nas flores e nas estrelas. Em forma de energia ele permanece disponível para todos nós. Se ele não era um “eu”, se ele não era uma pessoa, o que ele era, enfim? Simplesmente uma presença, ele dizia. O corpo morreu, mas a presença continua. Esta é a grande sacada.

Em 1987, em Puna-India, eu participei de um grupo com um terapeuta do Osho chamado Fritjof que depois recebeu o nome de Rahasya - o mesmo que hoje se declara iluminado. Naquela oportunidade, eu tinha pouco mais de um ano de sannyas e fiquei muito impressionado com a sensibilidade e habilidade que ele tinha ao fazer com que uma série de bloqueios que cada participante trazia escondido dentro de si viesse à tona e pudesse ser expressado, jogado fora, propiciando um grande alívio a cada um de nós.

Nos momentos de silêncio e profundo relaxamento que se seguiam, de uma maneira muito sutil, ele sempre deixava absolutamente claro que tudo o que ali acontecia era trabalho do Osho. O terreno estava limpo para que o mergulho no espaço meditativo acontecesse como um convite natural e espontâneo, sereno, pleno e tremendamente prazeroso. E a gente sentia que Osho estava presente durante todo aquele trabalho. Era como se ele estivesse ali ao lado, atuando em nós. Naquela época, Osho ainda estava no corpo e o trabalho acontecia em sua comuna.

Quinze anos depois, Osho não estava mais presente no corpo e eu participei como tradutor de um outro trabalho naquela mesma comuna, conduzido por outra terapeuta do Osho, a Aneesha. E uma experiência semelhante se repetiu. E quando foi levantada uma questão sobre as dificuldades e os espinhos no caminho, a resposta também foi absolutamente clara: entregue-se e confie, pois Osho está presente. Na entrega e na confiança, o relaxamento é alcançado e o um se dissolve no todo e o todo no um; acontece a comunhão entre mestre e discípulo, entre o individuo e a existência.

A mente não consegue entender muito estas coisas. Ela não consegue entender muito além da lógica do 2 + 2 = 4. Assim, as pessoas querem estar na presença física de um iluminado para conferir se vai mesmo ocorrer um arrepio interno, se vai haver um desmaio, se a kundalini vai subir ou se o “santo vai baixar”. Elas querem ver o milagre e se possivel com algum registro, com uma prova testemunhal.

Por outro lado, acontece que as massas querem líderes para guiá-la, as pessoas procuram gurus para seguirem. É curioso como esta mesma mente, que só acredita no 2 + 2 = 4, pode ser facilmente ludibriada. No caminho do autoconhecimento e da busca espiritual, muitos vislumbres acontecem e muitas ilusões também.

E, por se tratar de um caminho desconhecido, onde não há um mapa para indicar a estrada, é muito fácil se perder e se confundir. Um vislumbre real ou ilusório pode levar uma pessoa à conclusão de que chegou a algum lugar. E se ela estiver rodeada por um grupo ansioso por encontrar um guru, o casamento é perfeito. Diante de tantas pessoas que começam a se curvar diante dela, a pessoa começa a achar mesmo que chegou a algum lugar.

Osho nos adverte dos riscos que sobretudo os terapeutas correm nesse sentido. Numa célebre resposta a Sagarprya, ele disse que, no seu trabalho, a função de um terapeuta nada mais é do que a de um faxineiro que faz a limpeza do terreno, dissolvendo os obstáculos para que a pessoa possa entrar mais facilmente no estado meditativo.

Mas quando o terapeuta se revela eficiente no uso das ferramentas terapêuticas, há o risco dele começar a achar que é ele próprio quem está fazendo alguma coisa, que ele tem um poder especial e pouco a pouco começa a entrar numa viagem de guru. E os participantes dos grupos e sessões por sua vez reforçam essa viagem, na medida em que se sentem beneficiados pelo trabalho e atribuem todo o poder de transformação à presença e atuação do terapeuta.

No mundo do Osho estes riscos também estão presentes e as viagens de guru não são ocorrências raras. Não importa quantas vezes o nome do Osho é repetido, não importa quantos cursos foram feitos em Puna, não importa o quanto se anuncia como sendo “terapeuta do Osho”. Osho dizia que o ego de terapeuta é um dos mais dificeis de serem dissolvidos.

É claro.Ele especializou-se em estudar todos os mecanismos da mente, todas as expressões de emoções e sentimentos, todas as partes do corpo onde se alojam e escondem as marcas das repressões, das carências, dos desejos não realizados. Ele é o que poderíamos chamar de um ego esperto. Mas a inocência é mais difícil de ser alcançada por aquele que sabe tudo. A espontaneidade, a simplicidade e a humildade não requerem sofisticação e refinamento.

Assim, quando se fala em terapia segundo a visão do Osho, é fundamental uma sintonia absoluta com a sua mensagem como um todo e com as suas dicas específicas para este e aquele trabalho. Aqui, duas coisas se fundem: o científico e o mágico. Podemos até falar sobre o científico, mas o que falarmos a respeito do mágico? Assim, a sua mensagem tem que ser guardada e observada como sendo ouro puro. Não por uma questão de cegueira fanática, mas pela dimensão científica e sobretudo pela dimensão mágica.

No campo do crescimento interior, da busca espiritual, cada mestre verdadeiro tem suas estratégias e sua metodologia que até conseguimos ver e entender em parte. Mas ele tem também a sua maneira mágica de chegar até nós e fazer o seu trabalho, independente dele estar ou não encarnado. O entendimento dessa questão está além da mente.

Algumas técnicas de meditação, criadas há quatro ou seis mil anos, foram adaptadas por Osho para o homem ocidental do século XXI. Cada técnica e cada um de seus estágios compreendem sutilezas que ele como mestre é capaz de entender. Ele é capaz de criar certas estratégias que provocam no praticante a abertura de novas percepções e compreensões a respeito de todo o seu processo pessoal. E não é à-toa que Osho nos adverte para não alterarmos em absolutamente nada as suas técnicas.

Com relação ao trabalho terapêutico, segundo a sua visão, Osho deixou dicas que são chaves valiosas, orientações passo-a-passo sobre os procedimentos nos grupos e nas sessões. Um terapeuta do Osho desenvolve e conduz o seu trabalho terapêutico em absoluta sintonia com essas orientacoes deixadas por ele. Um terapeuta do Osho tem consciência de que ele não está fazendo nada.

Ele está sendo um instrumento, em sintonia com Osho e fiel às suas orientações e dicas, e o trabalho acontece de uma maneira mágica, onde nossa mente não consegue entender o desabrochar de uma semente dentro da própria pessoa e menos ainda, a presença do Mestre sussurrando no ouvido daquela pessoa, convidando-a a se levantar e a dar os seus primeiros passos em uma nova vida. O trabalho acontece na dimensão do ser da própria pessoa.

Por isto, Osho sempre enfatizou a importância da meditação. No estado meditativo há o relaxamento completo, a entrega total, o esvaziamento da mente. E, neste estado, coisas acontecem... E para se chegar lá, a terapia é apenas uma ponte, apenas uma preparação. Nada mais que isto.

É claro que existem milhares de terapeutas, muitos sannyasins inclusive, que adotam outras abordagens terapêuticas que não são as do Osho e que até são bem esclarecedoras a respeito desse enigma que é o ser humano e que quando utilizadas com sensibilidade e habilidade podem ajudar o paciente nas dificuldades que enfrenta no seu dia-a-dia, na sua convivência social, na sua luta pela sobrevivência.

Mas nenhuma modalidade de terapia, nenhuma técnica terapêutica em si mesma nos leva a realização final de que nos falam os grandes mestres de todos os tempos. Só a meditação pode nos levar a acessar o nosso mestre interior, a luz que verdadeiramente pode iluminar os nossos passos na construção do nosso caminho, esse caminho que não está escrito em lugar algum e que cabe a cada um construir o seu.

E só um mestre iluminado é capaz de saber quais ferramentas podem e devem ser usadas e sob que circunstâncias, para que sejam criados os espaços propícios ao desabrochar espiritual que ele próprio inspira, provoca e estimula. Esta é a grande diferença entre a Psicologia ocidental, que existe há poucos séculos, e a Psicologia dos Budas que existe há vários milênios.

Psicologia dos Budas não é apenas uma expressão bonita, uma frase de efeito para se adornar a embalagem de um produto que se quer vender no mercado. Um autêntico terapeuta do Osho sabe disso e antes de atuar como terapeuta ele sabe do caminho que precisa percorrer, sobretudo no seu processo interno pessoal enquanto buscador. Ele tem total consciência de que está no mesmo barco junto com as pessoas com quem ele trabalha.

(Textos Extras - Boletim nº48 - Abril de 2007)

 Sw. Bodhi Champak
Sannyasin do Osho desde 1986



 Fonte: Osho Conexão Brasil