A mente abrange a mente consciente e a mente inconsciente. A mente consciente, conhecida como mente objetiva, voluntária, exterior ou superficial, tem conhecimento do mundo objetivo através das seis faculdades dos sentidos, sendo que a sexta depende da faculdade mental - indriya - que está em relação com os objetos mentais, ideias, pensamentos, concepções etc. O raciocínio e intelecto são as funções mais importantes da mente consciente.
A mente inconsciente, conhecida também como subconsciente, subjetiva, interior ou profunda, percebe pela intuição; é clarividente, vê, sente e percebe sem auxílio intermediário dos órgãos dos sentidos. Através da mente subconsciente podem ser adquiridas as faculdades de clarividência, telepatia, levitação, etc.
Admite-se que a maior parte de nossas capacidades mentais estejam latentes na mente inconsciente. O subconsciente ou superconsciente, em certas religiões, é interpretado como a presença de Deus, Inteligência Suprema ou Consciência Cósmica.
O inconsciente cósmico só é inconsciente enquanto estamos separados dele, isto é, enquanto não temos consciência da realidade. Na medida em que despertamos e entramos em contato com a realidade, não há nada de que não tenhamos consciência; o inconsciente torna-se consciente e, quando isso acontece, deixa de ser inconsciente, tendo sempre em mente que ele não se transforma em intelecto reflexivo.
Como diz o Prof. Suzuki: "Na realidade, o inconsciente é o que é mais íntimo e, precisamente em virtude dessa intimidade, temos dificuldade em deitar-lhe a mão, pela mesma razão por que o olho não pode ver-se a si mesmo. O tornar-se, portanto, consciente do inconsciente requer um treinamento especial por parte da consciencia.".
Tornar consciente o inconsciente significa viver em verdade; esse objetivo da apreensão dinâmica e plena do mundo é que é o objetivo da meditação budista.
À medida em que há progresso na mente consciente, devido ao conhecimento, o homem desenvolve mais o intelecto, dando-lhe maior importância, atribuindo-lhe o centro das conquistas, em todos os campos da atividade humana.
Várias condições contribuem para o embotamento da mente consciente: os condicionamentos as coisas do passado, representados pelas crenças, filosofias, teorias e conceitos, aos quais a mente se apega em função da procura e do desejo de segurança e de satisfação dos sentidos, que criam novas necessidades, obrigando-nos a desejar o que julgamos melhor.
O intelecto é necessário para determinar, embora vagamente, onde está a realidade; mas a realidade só é captada quando o intelecto renuncia a suas pretensões sobre ela. A intelecção e a conceituação só são necessárias para compreender as nossas próprias limitações.
Somente pela introspecção, desenvolvida na prática da Plena Atenção ou Vigilância, é que a mente se libertará desses condicionamentos, adquirindo tranquilidade, possibilitando a sabedoria do subconsciente vir à superfície, revelando todo o conhecimento acumulado e arquivado.
"Esta mente, ó discípulos, é luminosa mas é maculada (no homem comum, não esclarecido) por manchas adventícias. Esta mente, ó discípulos, é luminosa e é livre das manchas adventícias no Nobre Ser". (Anguttara-Nikaya I.)
Percepções Psíquicas
Pode-se definir a mente como a soma da ação psíquica consciente e inconsciente. Pelo treino da meditação, como em raros casos espontâneos que surgem na vida comum, ocorre o desenvolvimento e o aguçamento dos sentidos psíquicos, adquirindo as pessoas as faculdades conhecidas como clarividência (percepção extrasensorial); telepatia (transmissão de pensamento); premonição (antevisão de ocorrências futuras); projeção (saída no corpo astral); regressão de memória (lembrança das vidas remotas); psicocinesia (ação mental sobre a matéria); etc.
Estas faculdades nada mais são que resultados da libertação das energias psíquicas mentais, denominadas siddhis em sânscrito, ou iddhi em páli. Essas manifestações psíquicas algumas vezes estão ligadas ao desenvolvimento espiritual, mas nem sempre caracterizam espiritualidade, e podem levar facilmente o indivíduo ao orgulho, vaidades e exibições, dificultando a espiritualidade.
Quando os homens usam o poder da mente concentrada de uma forma construtiva, harmoniosa e benéfica, se diz habitualmente que este poder provém de Deus; quando usam o poder da mente de forma negativa, diz-se que provém de Satã, demônio, espírito do mal, etc.
“A crença em dois poderes, o do bem e o do mal, é um resíduo de idéias supersticiosas. As forças da natureza não são boas nem mas, dependem do uso que fazemos delas. Podemos usar a eletricidade para fins utilitários, aquecimento, luz, mover máquinas, etc., ou para eletrocutar alguém. Portanto, o bem e o mal, em realidade, estão na mente do homem." (Dr. Joseph Murphy, Telepsiquismo.)
A medida que o homem progride no caminho, a manifestação das energias psíquicas e mentais – iddhis - é percebida, habitualmente, sob a forma de poder, que traz consigo um aumento do amor altruísta e benevolência, justiça e compaixão, e sua influência é sentida no ambiente das relações na vida diária.
O iogue Ramacháraca diz: “É verdade que alguns, chegando à consciência da sua natureza real, sem compreender o que isso tudo significa, podem cometer o erro de utilizar o poder da vontade despertada para fins egoístas. Assim, são conhecidos os casos de magia negra, como também são constatados casos bem conhecidos da história e da vida contemporânea. Todas estas pessoas de grande poder psíquico chegaram cegamente à consciência, ou parcial consciência da sua natureza real, mas faltou-lhes a influência dos ensinamentos superiores. O mau uso do poder da vontade só traz sofrimentos e inquietações..."
Convém salientar, nessa questão, que tais capacidades existem em todos os seres humanos em estado latente, e, quando despertadas, manifestam-se em maior ou menor grau de desenvolvimento. Só funcionam nos planos do “eu” que está sujeito ao desejo e, portanto, a utilizá-lo em seu próprio favor. Esses poderes e capacidades, quando normais, são exercidos consciente e voluntariamente.
Mediunidade, por exemplo, não é uma capacidade espiritual mas, antes, uma anormalidade, já que resulta de algo que se passa no corpo do homem, do qual ele não é consciente, além de constituir um grande perigo para sua saúde. Assim como a mediunidade, também qualquer outra manifestação conseguida através do hipnotismo, ou qualquer processo em que o homem se torne passivo e sujeito a intervenções alheias.
Os feiticeiros não têm nenhum poder, porém quando querem rogar uma praga para uma pessoa, avisam-na de que foi amaldiçoada; esta obedece à sugestão, que se torna, então, um movimento do seu próprio pensamento; e como os pensamentos são criadores, eles ferem a própria pessoa.
As leis da natureza são impessoais e implacáveis; a mesma verdade se aplica também á nossa mente, portanto não devemos lidar com forças que não conhecemos. Por exemplo, se, desconhecendo as leis da eletricidade, não sabemos o que é um isolante ou um condutor, corremos o sério perigo de sermos eletrocutados.
O Buda mostrou que o desenvolvimento de poderes psíquicos, sem estar fundamentado numa forte moralidade, não é objetivo da vida espiritual e, entre as maneiras errôneas de viver, apontava o fazer profissão do magnetismo, hipnotismo, quiromancia, cartomancia, astrologia etc., previsão do futuro, ou interpretação de sonhos. Porém, achava que não se devia renunciar a tais poderes, buscá-los intencionalmente, ou repudiá-los caso surgissem espontaneamente.
Quando, repentinamente, aparece a manifestação da plena consciência da força do nosso corpo astral, denominada, no Budismo, percepção psíquica aguda ou “despertar do Kundalini” (força vital no Ioga), esta manifestação, que é uma das formas da percepção supraconsciente, aparecendo em pessoas não esclarecidas, pode causar espanto, trauma, podendo leva-las a perturbações mentais, ou mesmo á morte.
No Budismo não há nada oculto; comprova-se a existência do poder psíquico, porém não se lhe dá importância fundamental. Entretanto, aparecendo espontaneamente, o fato é considerado e analisado da mesma maneira como observamos e analisamos os fenômenos do mundo físico.
Gautama Buda prevenia os monges em não usar de poderes psíquicos, pois considerava tal procedimento uma fraqueza, um modo barato de atrair o povo, especialmente no que concerne aos ensinamentos da Doutrina que aguçam a compreensão. Por esse motivo, empregava a palavra, e somente a palavra, em todas as circunstâncias.
Certa vez, o Bem-Aventurado, encontrando um asceta que praticava austeridades durante muitos anos, perguntou-lhe o que pretendia obter após tanto esforço.O asceta orgulhoso respondeu que queria conseguir o poder de atravessar o rio andando sobre as águas. Respondeu o Buda: “Vais lucrar muito pouco com tanto trabalho e desperdício de tempo, pois com algumas moedas poderás conseguir que um barqueiro o leve em poucos minutos.”
No livro An Introduction to Zen, encontramos um lindo texto, que se segue:
Certa vez, quando o mestre Bankei calmamente pregava a seus seguidores, sua fala foi interrompida por um sacerdote de nome Shinshu que acreditava em milagres e pensava que a salvação vinha da repetição de palavras sagradas.
Mestre Bankei, incapaz de continuar a palestra, perguntou ao sacerdote o que queria ele dizer.
- O fundador da minha religião, - continuou o sacerdote - estava na margem de um rio com um pincel na mão. Seu discípulo estava na outra margem segurando uma folha de papel. E o fundador escreveu o Santo nome de Amida no papel, através do rio, pelo ar. Podes fazer algo tão milagroso?
- Não, - disse Bankei - só posso fazer pequenos milagres como: comer, quando estou com fome; beber, quando tenho sede e, quando insultado, perdoar.
Dr. Georges da Silva e Rita Homenko
Fonte: Extraído do Livro "Budismo - Psicologia do Autoconhecimento"