Pela ignorância nós nos identificamos com os pensamentos e embarcamos neles e, quando nos apercebemos, já vários pensamentos passaram e se foram por falta da Plena Atenção.
Então, para haver progresso nesse autoconhecimento, na Doutrina, temos que desenvolver a Sabedoria, e não meramente concentração, porque a descoberta única do Buda, a chave para Iluminação, foi a descoberta deste tipo de meditação, que é um simples observar do fluxo de fenômenos psicofísicos em que nós não dirigimos a mente.
Nos outros tipos de meditação daquela época e predominantes ainda hoje, como já foi dito, a mente é sempre dirigida por palavras ou mantras, para um ponto ou um objeto etc.
Pela meditação vamos compreender que toda imagem por palavras, sons ou melodias, lembranças, etc. é condicionada por uma base interna (o corpo e a mente) e pelos objetos da mente, que são todas as experiências que temos guardado no subconsciente. Pela natureza insatisfatória da mente, tudo o que experimentamos volta de uma maneira incontrolável, e embarcamos no turbilhão dos pensamentos.
A verdadeira libertação vem unicamente pela compreensão, pela Sabedoria, penetrando e vendo como surgem e como passam os desejos, os apegos, as lembranças e outros pensamentos; esse autoconhecimento (Sabedoria) só é possível quando há concentração. é impossível desenvolver a sabedoria sem desenvolver a concentração, porém a concentração, só, não traz libertação; é força bruta: suprime as impurezas, mas não vai à raiz.
A meditação nos Quatro Fundamentos da Plena Atenção exige de nós apenas a atitude de alerta. Alertas e atentos a tudo o que ocorre em nosso ser físico, emocional e mental. Não devemos ter apego nem aversão a qualquer forma de pensamento, seja ele elevado ou negativo. Esta meditação nos dá cada vez mais autoconhecimento e sabedoria, que jamais poderíamos obter por leituras, ou instrutores. Nossas imperfeições passam a ser dominadas, não pela coerção, repressão ou força de vontade, e, sim, pela correta compreensão, sabedoria, percepção, vivência do momento que passa em toda a sua plenitude.
Quando percebemos um desejo no momento exato em que ele vem surgindo, isso é libertação, pois ele cessa, deixa de existir e se transforma em simples pensamento, porque apenas o contemplamos como mero espectador que observa o seu surgir, seu passar e o seu desaparecer.
Na meditação da Plena Atenção mental não há esforço, nem há intenção de concentrar-se em um único objeto. É uma meditação que desenvolve a contemplação dinâmica ou momentânea de todas as vivências, ou tornadas de consciência do instante presente na observação de todos os fenômenos psicofísicos.
A concentração momentânea, descoberta por Gautama Buda, é a única maneira que temos para penetrar nas três características da existência (Impermanência, Insatisfatoriedade e Impessoalidade), em todos os fenômenos psicofísicos. Nós só podemos perceber e compreender gradativamente estas três características, quando seguimos o fluxo destes fenômenos e notamos que são como um rio em região de corredeira. O rio nunca é o mesmo, nem sequer por dois momentos consecutivos, mas um constante vir-a-ser, um vir sempre em mutação.
A concentração momentânea permite perceber cada momento de consciência, seja ele predominante do corpo - como na observação do ar entrando e saindo pelas narinas durante a respiração -, seja ele predominante do verbo - no caso de qualquer atividade verbal, tanto da mente como na própria palavra -, seja ele predominante da mente - vendo ou ouvindo nas portas dos sentidos.
Na observação de um momento de consciência com predominância do corpo - o ar entrando, provocado pela inspiração - há um surgir, uma vivência e um desaparecer, e a mente que observa, rotulando, "entrando"; e a mente observando o ar saindo na expiração – há também um surgir, uma vivência e um desaparecer que são um novo momento, que nada tem a haver com o anterior.
A mente que observa também tem um surgimento, uma vivência e um desaparecimento, assim como todos os outros fenômenos que ocorrem, tanto na porta dos sentidos, no próprio corpo, como na mente; são todos impermanentes; não existe nada de permanente neste ser, tudo é um fluxo, tudo é um vir-a-ser.
A penetração desta primeira característica, a lei geral da Impermanência, é fundamental para compreender a Realidade interna. Quando compreendemos esta lei, vamos compreendendo a segunda característica, isto e, este vir-a-ser, esta existência, este complexo de fenômenos psicofísicos que são insatisfatórios. E quando compreendemos a Impermanência e a Insatisfatoriedade, gradativamente compreendemos a Impessoalidade, isto é, a inexistência de um eu, ou de um algo permanente, porque tudo é um fluxo.
Assim, percebemos como a natureza e impessoal, o que significa a inexistência de um dono deste corpo, desta mente. Vemos que esse corpo não é "meu", que não tem sentido dizer "eu", porque o “meu” sempre aponta para um proprietário, um dono, e esse dono seria "eu".
Ignorância é justamente o oposto destas três características e condiciona todas as nossas interpretações do mundo fenomênico, colocando-nos num estado de distorção hipnótica do pensamento e da visão. Nesse estado de distorção, somos levados a imaginar que o que é Impermanência (anicca) é permanência (nicca); o que é Sofrimento (dukkha) é fonte de prazer (sukkha); e o que é Impessoalidade, um fluxo (anatta) é uma entidade fixa (Atta). Esta percepção do eu, essa percepção de permanência, que é satisfatoriedade - é a raiz de todos os sofrimentos possíveis.
Para desenvolver, na meditação introspectiva, a investigação da Doutrina e alegria que nos leva à verdadeira compreensão da Realidade, a mente não deve estar agitada ou preocupada; este não é o momento adequado; deve-se, em primeiro lugar, desenvolver a concentração de tranquilidade, como na meditação do Amor Universal, que traz calma, tranquilidade, boas vibrações. Somente após desenvolver a tranquilidade, passando para a meditação introspectiva, é que será possível ver o Dharma, a Realidade interior, a Verdade sobre o nosso ser.
Quando a mente está sonolenta, entorpecida, sem ânimo, não é o momento adequado para desenvolver a concentração de tranquilidade, mas, sim, para desenvolver a investigação da Doutrina que cria energia e alegria. Nesta ocasião, é favorável fazer ligeiras reflexões sobre a natureza da Doutrina; sempre muito curtas para evitar cair no pensamento discursivo, esse monólogo interior, esse pensamento sem qualquer controle que não sai da mente e que surge de uma maneira impessoal.
Este é um modo pelo qual nós ganhamos mais compreensão. Por exemplo, reflexões sobre os Cinco Agregados da existência: ouvindo um som, refletir que é um fenômeno condicionado que, devido ao contato, traz à existência a sensação, a percepção, a volição e a consciência.
Observando que a mente vagou, refletir que a mente vagou, porque naquele momento exato faltou a Plena Atenção. Com isso, ganhamos autoconhecimento porque percebemos como a natureza é impermanente, insatisfatória e impessoal.
Dr. Georges da Silva e Rita Homenko
Fonte: Extraído do Livro "Budismo - Psicologia do Autoconhecimento"