quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Não Há Regra Que Garanta a Felicidade





Ao assistir o filme sobre a vida do ex-presidente americano Harry Truman, fiquei atenta às palavras que teria dito em seu último discurso, após oito anos de mandato: "Se fizermos tudo corretamente, teremos um mundo maravilhoso".






Essa ideia de lidarmos com o nosso melhor e assim podermos ser felizes possui algumas armadilhas que nos fazem errar repetidamente. Quem já não se pegou perguntando: "Fiz tudo com as minhas melhores intenções, com muito cuidado para não errar, e, ao final, parece que fiz tudo errado!"

Erramos porque nos desconectamos do mundo real. Em busca de sermos ideais, perfeitos e maravilhosos, imaginamos que tudo depende apenas de nós, de fazermos a coisa certa. Assim, deixamos de lidar com as demandas da realidade imediata, que nos mostram que há mais vidas além da nossa própria!

Lama Gangchen Rinpoche nos incentiva a trabalharmos com o objetivo de sermos pessoas em constante evolução, porém, sempre conectadas com os limites da realidade. Isso não quer dizer que devamos nos sentir presos a eles, mas, sim, que podemos lidar com eles de um modo mais gentil e flexível. Em outras palavras: superar a rigidez diante das expectativas de como nós e as coisas devem ser.

Quando queremos controlar o ambiente para que tudo dê certo, nos tornamos rígidos, pois passamos a perceber só o nosso ponto de vista. Como resultado, nos tornamos tão possessivos em relação às nossas ideias de como as coisas deveriam ser, que facilmente nos tornamos agressivos diante de qualquer contrariedade. Nossa irritação aumenta quando vemos regras sendo negligenciadas.

Rinpoche nos ajuda a recuperar uma mente mais flexível quando nos fala: "As regras são como um chapéu de couro molhado. No momento em que o colocamos na cabeça parece macio e cômodo, mas conforme o tempo vai passando e o couro vai secando, o chapéu vai encolhendo, apertando nossa cabeça, que cada vez passa a doer mais. Temos que aprender a mais sobre como seguir regras sem deixar que elas nos aprisionem!"

Rinpoche não está querendo nos incentivar ao anarquismo. Apenas nos ajudar a reconhecer que o sistema em que vivemos nos torna facilmente pessoas facilmente rígidas e controladoras: atitudes que não nos ajudam a lidar com a natureza caótica de nossos tempos.

O budismo nos leva a cultivar um estado de abertura, isto é, de confiança em saber estar e esperar o que nos dará a visão do que precisamos saber e ainda não sabemos... é como ter uma mente focalizada, mas não perdida no foco.

Como desistir da tentativa de se assegurar de algo? Chögyam Trungpa responde para um discípulo que lhe pergunta como fazer isso: "Você quer tanto ficar seguro que a ideia de não se assegurar se converteu num jogo, numa grande piada, e num modo de você se assegurar.

Você está preocupado em observar-se, e observar-se observando-se, e observar-se observando o ato de observar-se. E assim por diante, não tem fim. É um fenômeno bastante comum.

O que se faz realmente imprescindível é deixarmos por completo de nos importar, é pormos de lado esta história toda... é necessário recusar inteiramente a ideia de segurança e ver a ironia das nossas tentativas para nos assegurar, a ironia da nossa estrutura sobreposta de autoproteções.

Temos que abandonar o observador do observador do observador. E, para fazê-lo, temos de deixar de lado o primeiro observador, a própria intenção de proteção". Desta maneira, os Lamas tibetanos estão nos alertando para não basearmos nossa confiança em algo mas, sim, no próprio estado de confiança.

Soltar e relaxar em nosso estado natural de autoconfiança é sem dúvida um desafio para nós que entendemos, desde pequenos, que devemos seguir regras que nos orientam em sobre como devemos agir para sermos felizes e as coisas darem certo.

Por outro lado, o que os Lamas estão nos lembrando é que a solução para tanto está muito próxima de nós, não precisamos mais temer um erro, quer dizer, nos forçarmos para ser o que ainda não somos.

Uma vez que compreendemos isso, podemos começar apenas reconhecendo o que acontece quando estamos relaxados e abertos e nos dizemos: "OK, está tudo bem".

Bel Cesar


Psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. Autora dos livros Viagem Interior ao Tibete, Morrer não se improvisa, O livro das Emoções, Mania de sofrer e recentemente O sutil desequilíbrio do estresse, todos pela editora Gaia.
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Email: belcesar@ajato.com.br

Fonte: Somos Todos Um