Por que nossos desejos nos parecem tão inalcançáveis? Porque não soubemos atender às nossas necessidades...
Quando não reconhecemos nossas necessidades, corremos o risco de não estabelecer os limites reais entre o que podemos e queremos oferecer. Em geral, temos dificuldade para discernir a diferença entre necessidades e desejo.
Desejo é a motivação de manifestar algo, seja interno ou externo a nós, que nos proporciona prazer e satisfação. Já as necessidades são todas as condições que precisamos adquirir e amadurecer para que nossa motivação possa se manifestar de modo estruturado. Neste sentido, para conquistarmos o que quer que seja, interior ou exteriormente, temos antes que, primeiro adquirir uma base sólida.
No entanto, na maioria das vezes, passamos por cima de nossas necessidades pois cremos que basta seguir nossos desejos para encontrar a felicidade. O problema é que sem atender nossas necessidades não teremos condições reais para sustentar a manifestação de nossos desejos!
É como a construção de uma casa: primeiro, temos que analisar as condições do terreno, construir uma boa fundação, para depois ver a casa de nossos sonhos sendo construída... Caso contrário, estaremos construindo um castelo de areia.
Muitas vezes, associamos o fato de reconhecermos aquilo que nos falta como um sinal de carência, fraqueza e vulnerabilidade. Se tivermos uma autoimagem baseada no condicionamento de que somos insuficientes para enfrentar as adversidades, iremos naturalmente evitar olhar de frente o que nos falta. No entanto, isso é um erro de interpretação. Perceber nossas necessidades é apenas o primeiro passo do processo de autorrealização.
O perigo de nos sentirmos envergonhados de nossas necessidades é que acostumamos a escondê-las de nós próprios e dos outros. Desta forma, com frequência dizemos: "Não se preocupe comigo" (o famoso "tudo bem"). Associamos à ideia de que nossas necessidades podem incomodar os outros. Declaramos de que "não precisamos de nada" devido ao medo de nos tornamos um peso extra e sermos rejeitados. Afinal, quem nunca "dá trabalho" não corre o risco de ser excluído...
No entanto, desta forma, o feitiço se volta contra o feiticeiro. Poderemos não ser excluídos, mas seremos facilmente vítimas de abusados, pois nossas necessidades não serão reconhecidas e muito menos atendidas!
Nós mulheres, porque escutamos várias vezes o conto da Cinderela, aprendemos desde pequenas a associar a ideia de que precisamos primeiro sofrer para depois termos momentos de prazer. Afinal, Cinderela só poderia ir ao baile depois que tivesse cumprido todas as ordens de suas irmãs.
Mas, se reconhecermos essas irmãs como um símbolo de nossas necessidades internas, a coisa muda de figura. Atender às nossas necessidades é um dever que temos para conosco. Ou seja, ao "escutar as ordens de nossas irmãs", estaremos simplesmente atendendo às exigências que surgem diante de um processo de realização.
Neste sentindo, cumprir nossas obrigações deixa de ser um fardo para se tornar parte do processo de amadurecimento das condições necessárias para manifestar nossos desejos.
Seguir nossos desejos sem ter revisto nossas necessidades é uma forma de autodestruição. Pois, sem atender nossas necessidades, não somos capazes de sustentar nossos desejos.
Por exemplo, podemos ter o desejo de subir o Everest (substitua-o mesmo por algo que você queira muito), mas se ao começarmos a subir a montanha, não nos dermos conta de que não temos os sapatos adequados, estaremos fadados ao fracasso.
Voltar para trás em busca de melhores condições não quer dizer desistir do desejo de subir a montanha, mas, simplesmente, compreender que nossas necessidades vêm em primeiro lugar!
Fazer esforço com perseverança faz parte de nossas conquistas, mas se passarmos por cima de nossas necessidades esse sofrimento se tornará inútil. Precisamos aprender a considerar nossas necessidades como algo precioso e de grande valor ao invés de associá-las a uma condição de fraqueza ou insuficiência.
Nossas necessidades possuem um valor de moeda de troca importante em nossos relacionamentos. Afinal, para atender as necessidades alheias precisamos incluir também as nossas necessidades para ajudá-los!
Imagine a seguinte situação: você está apaixonada e seu amor pede que o leve ao aeroporto às 5:30h da manhã, pois passará seis meses fora do país. Sem hesitar, você diz que sim. Em seguida, ele a convida para jantar fora no restaurante de que você mais gosta. Imediatamente, você aceita. Vocês voltam para casa tarde, depois de alguns copos de vinho e acordam cedo para ir ao aeroporto. Depois, no caminho para o trabalho, você começa a sentir o cansaço tomando conta de seu corpo e sua mente. Triste com a despedida e irritada com a falta de sono, passa o dia distorcendo a realidade devido ao seu mau humor. As consequências desta empreitada mal elaborada virão à tona uma hora ou outra...
O fato é que desta forma você foi ao baile sem ter arrumado sua cozinha... Ao seguir impulsivamente o desejo de agradar seu namorado, deixou de se autopreservar. O hábito de agradar ao outro a qualquer custo faz com que as suas necessidades não sejam vistas.
À medida que aprendemos a atender às nossas necessidades diante das necessidades alheias, passamos a ter relacionamentos mais saudáveis. Pois, livres do fardo de corresponder às expectativas alheias como ordens inquestionáveis, passamos a nos sentir recompensados pelos benefícios de cuidarmos de nós mesmos.
Bel Cesar
Psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. Autora dos livros Viagem Interior ao Tibete, Morrer não se improvisa, O livro das Emoções, Mania de sofrer e recentemente O sutil desequilíbrio do estresse, todos pela editora Gaia.
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Email: belcesar@ajato.com.br
Fonte: Somos Todos Um