Uma das características essenciais do Budismo e a rejeição de qualquer fé previa. Crer é aceitar o que não sabemos se realmente existe.
Nos textos budistas muitas vezes encontramos a palavra saddha, que significa "confiança nascida da convicção". O Budismo é baseado na visão das coisas pelo conhecimento e compreensão, e não pela fé ou crença cega. A crença surge quando não há visão - visão em todo o sentido da palavra. No momento em que vemos, a crença desaparece e a fé cede lugar à confiança baseada no conhecimento.
Nos antigos textos existe um dito: "Compreender como se vê uma jóia na palma da mão". Se eu vos digo que tenho uma jóia escondida na minha mão fechada, a crença surge em vós porque não a vedes. Porém, se abro a mão e mostro a jóia, vós a vereis por vós mesmos e a crença se dissipará, não tendo mais razão de ser.
Um discípulo de Buda, chamado Musila, falando a um outro monge, disse: "Amigo Savittha, sem devoção, fé, crença, sem tendência ou inclinação sem preconceito ou tradição, sem considerar as razões aparentes, sem especulação das opiniões, eu sei e vejo que a cessação do vir-a-ser é o Nirvana." Ouvindo isto o Buda disse: "é bhikkhus (assim buda chamava seus discípulos), declaro que a destruição das corrupções e impurezas é para aquele que sabe e vê, e não para aquele que não sabe e não vê."
Sempre é uma questão de conhecimento e visão, e não de crença. Como vemos, o ensinamento budista sempre nos convida para "vir e ver", e não vir para crer; convida a abrir os olhos e ver livremente, e não fechá-los, dando ordem a crer. Isto foi mais apreciado numa época em que a intolerância da ortodoxia bramânica insistia sobre a crença e aceitação de sua religião como única verdade incontestável.
Certa vez, um grupo de sábios brâmanes foi visitar Gautama Buda, com o qual teve uma longa discussão. Então um jovem brâmane, chamado Kapatika, perguntou ao Mestre: "Venerável Gautama, as antigas e santas escrituras dos brâmanes foram transmitidas de geração em geração, mediante uma ininterrupta tradição verbal, através da qual os brâmanes chegaram à conclusão absoluta de que a única verdade seria a deles e qualquer outra seria falsa.
Ouvindo isto, Buda perguntou:
- Entre os brâmanes haverá um só indivíduo que pretenda pessoalmente saber e ter visto, por própria experiência, que "esta é a única verdade e qualquer outra coisa é falsa"?
- Não, Senhor - respondeu o jovem com toda a franqueza.
- Então, haverá um só instrutor, ou instrutor de instrutores dos brâmanes, anterior à sétima geração, ou ao menos um dos autores originais destas escrituras, que pretenda saber e ter visto, por própria experiência que esta é a única verdade e qualquer outra é falsa?
- Não, Senhor!
- Então, é como uma fila de homens cegos; cada um se apoiando no precedente: o primeiro não vê, o do meio não vê e o último não vê tampouco. Por conseguinte, parece-me que a condição dos brâmanes é semelhante a esta fila de homens cegos.
Nesta ocasião Buda deu a esse grupo de brâmanes um ensinamento de extrema importância: "Um homem que sustenta a verdade deve dizer: ‘esta é a minha crença’, mas por causa disto ele não deve tirar a conclusão absoluta e dizer: 'Só há esta verdade, qualquer outra é falsa’."
Dr. Georges da Silva e Rita Homenko
Fonte: Extraído do Livro "Budismo - Psicologia do Autoconhecimento"