terça-feira, 13 de agosto de 2013

O Buda Risonho






"A risada é a própria essência da religião. A seriedade nunca é religiosa, não pode ser religiosa.

A seriedade pertence ao ego, é precisamente parte da própria doença.








Risada é ausência de ego. Sim, existe uma diferença quando você ri e quando um homem religioso ri. A diferença é que você sempre ri dos outros, o homem religioso ri de si mesmo, ou de todo o ridículo do ser humano.

A religião não pode ser nada mais do que uma celebração de vida. E a pessoa seria se torna incapaz, ela cria barreiras. Ela não consegue dançar, não consegue cantar, não
consegue celebrar. A própria dimensão da celebração desaparece da sua vida.

Ela se torna como que um deserto e se você for um deserto, você pode continuar pensando que você é religioso, mas você não é.Você pode ser sectário, mas não religioso. Você pode ser um cristão, ou hindu, qualquer religião, mas você não será religioso. Você  acredita em algo, mas você nada sabe. Você acredita me teorias. Um homem carregado de teorias se torna sério.

Um homem que não está sobrecarregado, que não tem uma carga de energia sobre seu ser, começa a rir. Toda a brincadeira da existência é tão bonita, que a risada é a única resposta possível a ela. Somente a risada pode ser a verdadeira oração, a gratidão.

No Japão, um grande místico, Hotei, é chamado de o Buda risonho. Ele é um dos místicos mais amados do país, e nunca pronunciou uma palavra. Quando se iluminou, começou a rir, a quando alguém o perguntava porque estava rindo, ele ria ainda mais. E ele continuava indo, de aldeia em aldeia, sempre rindo.

Uma multidão se juntava, e ele continuava a rir. E aos poucos – sua gargalhada era muito contagiante – alguém na multidão começava a rir, e depois uma outra, e então a multidão inteira estava rindo, rindo, rindo... E porque todas aquelas pessoas estavam rindo? Todo mundo sabe: “È ridículo; esse homem é estranho. Mas porque nós estamos rindo?”

Mas todo mundo estava rindo, e todo mundo estava um pouco preocupado: “O que as pessoas pensarão?” Mas ainda assim, as pessoas esperavam por Hotei, por que elas nunca tinham rido na sua vida inteira com tanta totalidade, que, depois da gargalhada pudessem sentir que todos os seus sentidos ficaram mais claros.

Seus olhos podiam ver melhor; todo seu ser havia se tornado leve como se uma grande carga houvesse desaparecido.

As pessoas pediam a Hotei: “Volte novamente”, e ele se ia rindo, para uma outra aldeia.

Durante sua vida inteira, quase 45 anos após sua iluminação, ele fez somente uma coisa: rir. Essa era sua mensagem, seu evangelho, sua escritura.

E é de notar que no Japão ninguém é lembrado com tanto respeito quanto Hotei. Em todas as casas você encontrará figuras de Hotei, estátuas. E ele não fez nada a não ser rir, mas a gargalhada estava vindo de tal profundeza que ela permanecia em seu ser.

Hotei é único. No mundo todo, não há nenhum ser humano que fez tantas pessoas rirem quanto Hotei – sem qualquer razão, absolutamente. E, ainda assim, todo mundo era nutrido pela sua gargalhada – sentiam um bem estar que jamais haviam sentido antes. Algo vindo das profundezas desconhecidas do coração humano. Esse Hotei é tremendamente significativo. Um homem como ele raramente caminhou sobre a Terra.

É uma pena – mais pessoas deviam ser como Hotei; mais templos deviam ser cheios de risada, dança canto. Se a seriedade for perdida, nada será perdido – na verdade, a pessoa se tornará mais saudável e total. Mas se a risada for perdida, tudo será perdido. De repente você perderá a festividade de seu ser; você se tornará sem cor, monótono, de certa maneira morto. Então sua energia não estará mais fluindo.

Mas é difícil entender Hotei. Para entende-lo, você terá que entrar nessa dimensão festiva. Se você estiver sobrecarregado com teorias, conceitos noções, ideologias, teologias, filosofias, você não será capaz de ver o que esse Hotei é, qual é a significação – porque, olhando para você ele rirá.

Ele rirá por não poder acreditar o quanto um homem pode ser tão bobo e ridículo – como se um homem se um homem estivesse tentando viver num livro de receitas e se esquecesse de cozinhar a comida. Ele simplesmente continua a estudar livros sobre comida, sobre como prepara-las e não as prepara, discutindo sobre essa ou aquela maneira – e fica com fome o tempo todo; morrendo o tempo todo – se esqueceu completamente que não se pode viver de livros.

É isso o que aconteceu: as pessoas se esqueceram completamente de que a religião tem que ser vida. É algo para ser digerido. É algo que tem que circular no seu sangue. Você não pode simplesmente pensar sobre ela. O pensamento é a parte mais superficial do seu ser. Você tem que absorve-la.

Mas sempre que surge uma verdade, um raio de luz, de repente os eruditos se reúnem – intelectuais, professores, filósofos, teóricos – e pulam em cima da verdade, esmagam-na: eles o moldam em escrituras mortas. Aquilo que era vivo se torna só uma coisa morta no papel. A rosa verdadeira desaparece.

Uma vez eu estava hospedado na casa de um amigo cristão. Eu comecei a olhar sua Bíblia: havia uma rosa dentro dela. Ele devia tê-la guardado lá. Muitos anos – seca, morta, esmagada entre as paginas da bíblia. Eu comecei a rir e ele veio correndo do banheiro e disse: “Porque você está rindo?”

Eu disse: “O mesmo que aconteceu a verdade, aconteceu para esta rosa. Entre as paginas de sua Bíblia, a rosa morreu. Agora ela é somente uma memória de algo que esteve vivo um dia, somente uma lembrança; toda a fragrância se foi, toda a vida se foi. Ela está morta quanto uma flor de plástico ou uma flor de papel. Ela tem um passado, mas não tem mais um futuro. O mesmo aconteceu à verdade: nas paginas das escrituras ela morreu”.

Quando a verdade acontece, é não-verbal é silenciosa. Ela é muito profunda, não pode ser expressa através de palavras. Então, mais cedo ou mais tarde, aparecerão pessoas que traduzirão em palavras, que a sistematizarão. E, na própria sistematização, ela é assassinada.

Hotei viveu uma vida totalmente diferente de um homem religioso comum. Sua vida inteira não foi nada além de uma gargalhada contínua. É dito sobre Hotei, que muitas vezes, até mesmo dormindo, ele começava a rir.

Ele tinha uma grande barriga, e a barriga balançava. As pessoas o perguntavam: “Porque você está rindo? Até no sono!” a risada era tão natural, que para ele qualquer coisa ajudava a rir. Então, toda a vida, dormindo ou acordado é uma comédia.

Você transformou a vida em uma tragédia. Você fez uma trágica bagunça em sua vida. Mesmo quando você ri, você na ri. Mesmo quando você finge rir, o riso é simplesmente forçado. Ele não está vindo do coração, e muito menos da barriga. Você ri por razões que não tem nada a ver com o riso.

Eu ouvi contar...
Num pequeno escritório, o patrão estava contando uma anedota velha e sem graça que ele já havia contado umas mil vezes. E todos estavam rindo – tinham que rir! Estavam todos entediados com a piada, mas patrão é patrão.

E quando o patrão conta uma piada, você tem que rir – faz parte da obrigação. Somente uma datilógrafa não está rindo, estava sentada, séria, inflexível. O patrão disse: “Qual é o problema com você? Por que não está rindo?” “Estou indo embora mês que vem”, respondeu ela.

As pessoas têm suas próprias razões. Até mesmo a risada é como um negócio, até mesmo a risada é econômica, política. Até mesmo a risada não é simplesmente a risada; toda a pureza está perdida.

Você nem mesmo pode rir de maneira pura, de uma maneira simples. E se você não
pode rir de uma maneira simples, você está perdendo sua virgindade, sua pureza.

Observe uma criança pequena: observe sua risada – tão profunda, ela vem do próprio centro. Quando uma criança nasce, a primeira atividade social que ela aprende – ou talvez não seja certo dizer “aprende” pois ela já trás consigo mesma – é a sorrir; ao sorrir ela se torna parte da sociedade. Parece muito natural, muito espontâneo. Outras coisas virão mais tarde – esse é seu primeiro sinal de estar no mundo.

Quando a mãe vê seu filho sorrindo, ela fica tremendamente feliz – porque esse sorriso mostra saúde, inteligência. Esse sorriso mostra que a criança será feliz, viverá.

Sorrir é a primeira atividade social, e deveria permanecer a atividade social básica. A primeira pessoa deveria continuar capaz de rir por toda a vida. Se você puder rir em todo o tipo de situação, você se tornará realmente capaz de enfrenta-las – e esse enfrentar trará maturidade, a você. Eu não estou lhe dizendo que não chore. Na verdade, se você pode rir, você pode chorar. O riso e o choro caminham juntos dentro de um verdadeiro ser.

Existem milhões de pessoas cujas as lágrimas secaram; seus olhos perderam o brilho, a profundidade. Porque elas não podem derramar lágrimas, não podem chorar; as lágrimas não podem fluir naturalmente. Se o riso for mutilado, as lágrimas também serão. Somente uma pessoa que ri bem, pode chorar bem. Se você pode chorar e rir bem, você está vivo.

O homem morto não pode rir nem chorar. O homem morto pode ser sério. Observe: vá e olhe para um cadáver – o homem morto consegue ficar sério de uma maneira mais
perfeita que você. Somente um homem vivo pode rir e chorar.

Esses são estados do seu interior, são climas enriquecedores. Mas, aos poucos, todos se esquecem. Aquilo que era natural no começo se torna artificial. Você precisa de que alguém o cutuque para você rir, que lhe faça cócegas – só assim você ri. É por isso que existem tantas piadas no mundo.

Talvez você não tenha observado que os judeus têm as melhores piadas do mundo. E qual é a razão disso? Os judeus são o povo mais castigado e sofrido da Terra. Eles tiveram que criar piadas; do contrario estariam mortos há muito tempo.

Eles passaram por tantos tormentos, foram torturados através de séculos, foram oprimidos, assassinados – eles tiveram que criar um censo de comicidade. Foi um estratagema para sobreviver. Consequentemente eles têm as piadas mais engraçadas do mundo.b

O que estou tentando lhe mostrar é isso: nós rimos somente quando existe uma razão que nos force a rir. Contam uma piada, e você ri – porque uma piada cria um certa excitação em você. Todo o mecanismo de uma piada é: a história vai em uma direção, e, de repente ela muda de direção; a virada é tão súbita, tão drástica, que você não poderia tê-la previsto.

A excitação cresce, e você fica esperando pela parte final, onde está o sentido e a graça. E então, o que quer que você esteja esperando, nunca vem – algo absolutamente diferente acontece, não preenchendo a suas expectativas. Uma piada nunca é lógica, ela perderá toda a graça. Então, quando uma piada estiver sendo dita, você já terá chegado no final, porque será um silogismo, será simples aritmética.

Mas aí ela não terá a mínima graça. Uma piada faz uma virada tão repentina que você
não será capaz de prevê-lo. Ela dá um salto, um salto quântico – e é por isso que ela libera tanta risada. É uma maneira psicológica de se fazer cócegas.

Eu tenho que conter piadas, porque temo que todos vocês sejam pessoas religiosas. Vocês tendem a ser sérios. Eu tenho que lhe fazer cócegas para que, alguma vez, vocês se esqueçam de suas filosofias, teorias, sistemas, e caiam na Terra. Eu tenho que traze-los de volta a Terra continuamente; senão vocês tenderão a se tornar sérios, mais e mais sérios. E a seriedade é um crescimento cancerígeno.

Você pode aprender muito com Hotei. A risada traz força. Agora, até mesmo a ciência medica diz que a risada é um dos remédios que vão mais fundo dentro do que a natureza ofereceu ao homem. Se você puder rir quando estiver doente, você recuperará sua saúde mais cedo. Se você não puder rir, mesmo não estando doente, mais cedo ou mais tarde você adoecerá.

O riso trás alguma energia da sua fonte interna para a superfície. A energia começa a fluir segue o riso como uma sombra. Você já observou isso? Quando você realmente ri, durante aqueles poucos momentos que você está em estado meditativo. O pensamento para. É impossível rir e pensar ao mesmo tempo.

São coisas diametralmente opostas: ou você ri, ou você pensa. Se você está rindo de verdade, o pensamento para. Se você ainda estiver pensando, o riso será somente
assim, assim, devagar, não será total. Será um riso mutilado.

Quando você ri de verdade, a mente desaparece. E toda a metodologia zen é de como entrar na não mente. O riso é uma das portas mais bonitas para se entrar nelas. Tanto
quanto eu sei, a dança e o riso são as melhores portas, as mais naturais, as mais facilmente acessíveis.

Se você realmente dançar, o pensamento para. Você dança sem parar, e todas as fronteiras, todas as divisões desaparecem. Você nem mesmo sabe onde seu corpo começa ou onde termina. Você se dissolve na existência e ela em você; há uma superposição de fronteiras. E se você estiver realmente dançando – não controlando a dança, mas deixando que ela a conduza – se você estiver possuído pela dança, o pensamento pára.

O mesmo acontece com o riso. Se você estiver possuído pelo riso, o pensamento para. E se você conhece alguns momentos de não mente, esse vislumbres são promessas de
muito mais recompensas que estão por vir. Você tem que se tornar cada vez mais natureza, da qualidade da não mente. Cada vez mais o pensamento tem que ser abandonado. O riso pode ser uma bela introdução a um estado de não pensamento.

É dito que esse Hotei não tinha nenhum desejo de chamar a si mesmo de mestre zen, ou de reunir discípulos a sua volta. Em lugar disso, ele andava pelas ruas com um saco nas costas cheio de doces, frutas e rosquinhas, que ele dava para as crianças, que às vezes eram jovens ou idosos – assim, não deixe se enganar pela palavra “crianças”. Mesmo as pessoas de idade, mais idosos que o próprio Hotei, eram também crianças para ele.

Na verdade, para estabelecer um contato com Hotei, você tinha que ser criança, inocente. E ele distribuía algumas coisas: brinquedos, doces, balas. Ele está dizendo alguma coisa simbolicamente: não dê muita atenção a vida – ela não é nada além de um doce. Experimente-a, mas não fique obcecado por ela. Ela não contém nenhuma nutrição em si. Ela não contém nenhuma verdade. Você não pode viver dela.

Você conhece essas palavras de Jesus: um homem não pode viver somente de pão. Pode um homem viver somente de doces? O pão tem pelo menos algum nutriente em si; um doce não tem nada. Tem um gosto bom, mas pode ser prejudicial com o decorrer do tempo.

Para as crianças e os velhos – ele sempre tratava todos como crianças – ele dava brinquedos; muito significativo. Você não poderá encontrar forma melhor de dizer que o mundo é de brincadeira. E a vida que você acha que é verdadeira – é simplesmente falsidade, um sonho momentâneo, não apegue-se a ela.

Se você é uma pessoa meditativa, você dá, você compartilha – você não acumula, você não é mesquinho. Você não possui. Como você pode possuir nesse mundo? Você não estava aqui, e o mundo já estava você não estará aqui um dia e o mundo estará.

Como você pode possuir? Como você pode reclamar: “Eu sou o dono”? como pode você ser o dono de qualquer coisa? Se você for meditativo, toda sua vida se tornará um compartilhar; você dará tudo o que puder dar; seu amor, sua compreensão, sua compaixão; o que quer que você possa dar, você dará.

Sua energia, seu corpo, sua mente, sua alma – o que quer que seja. Você sentirá prazer nisso. Não há prazer maior do que compartilhar algo. Você já deu alguma coisa a alguém? É por isso que as pessoas gostam tanto de dar presentes. É pura delicia!

Quando você dá alguma coisa a alguém – pode ser sem valor, pode ser de pouco valor – mas simplesmente a maneira, o gesto de dar satisfaz o coração. Simplesmente uma pessoa cuja a vida é um presente, para quem todo o momento é um compartilhar. Ela vive no céu. Não há outro céu senão esse.

Esse foi todo o ensinamento de Hotei: compartilhe! Dê! O que mais pode ser dito, o que mais pode ser ensinado?

O zen acredita que a verdade não pode ser expressa através de palavras, mas pode ser expressa por gestos, pela ação. Você pode realizar alguma coisa na vida. Você não pode dize-la, você só pode mostrá-la.

Seja desapegado, mas esteja aqui – porque não há outro lugar para estar. Esse é o único mundo – mas a outro mundo. Assim, seus monges, que estão sentados nos templos ou mosteiros, nas cavernas no Himalaia, são simplesmente escapistas. Renuncie! – mas não há necessidade alguma de escapar.

Renuncie e continue aqui. Esteja no mundo, mas não seja do mundo. Permaneça na multidão e permaneça sozinho. Faça mil e uma coisas, faça tudo o que for necessário, mas nunca seja o fazedor. Não acumule ego – isso é tudo.

Não há nada de errado em ser mundano. Seja mundano, e ainda assim permaneça não mundano – essa é a própria arte, a arte de viver entre dois opostos, de equilibrar-se entre dois opostos. É um caminho muito estreito, como um fio de navalha, mas esse é o único caminho. Se você perder esse caminho, você perderá a verdade.

Permaneça aqui e agora nesse mundo, continue seu caminho e continue com uma profunda risada em seu ser. Dance seu caminho para Deus! Cante seu caminho para Deus!".

OSHO, em "Vida, Amor e Riso"