Osho, você disse que todas as crianças nascem como um Deus, contudo, meus dois filhos são bastante diferentes desde que nasceram. Um é sereno e muito bonito, mas a outra já parecia perturbado antes mesmo de ser influenciado por qualquer condicionamento. Como devo lidar com essa criança difícil?
"Isto levanta uma questão básica. A existência em si é divina - De onde vem então o demônio? De onde vem o mal, o moral, o inaceitável? O bom está certo porque nós fizemos dele sinônimo de Deus - Bom significa Deus. Mas de onde vem o mal? Isto tem confundido a humanidade há muito tempo. Por mais que voltemos atrás, este problema sempre existiu na mente humana.
A solução é lógica, a solução que a mente pode dar, é dividir a existência, criar uma dualidade, é dizer que existe Deus, aquele que é bom, e existe o diabo, o demônio, belzebu, satã, aquele que é ruim.
A mente pensa que o problema está resolvido. Tudo que é mau vem do diabo e tudo que é bom vem de Deus. Mas o problema não está resolvido, só foi um pouco afastado, o problema permanece o mesmo, você o afastou um passo, mas não resolveu nada.
Então, de onde vem o demônio? Se Deus é o criador, então deve ter criado o demônio em primeiro lugar, bem no princípio, ou, Deus não é o supremo criador e o demônio sempre existiu como o inimigo, como a força antagônica - Então ambos são eternos.
Se o demônio não foi criado, não pode ser destruído, e assim o conflito continua eternamente. Deus não pode vencer, o demônio estará sempre causando distúrbios.
Isto não é o problema para os teólogos cristãos, ou para a teologia muçulmana ou zoroastriana, porque todas estas três teologias seguiram a solução simples sugerida pela mente. Mas a mente não pode solucionar isto.
Há uma outra possibilidade que não vem da mente, e será difícil que a mente a entenda. Essa possibilidade surgiu no Oriente, particularmente na Índia. Essa possibilidade é: Não há nenhum demônio, não há dualidade básica, só existe Deus, não há nenhuma outra força. É isto que significa advaita, a filosofia não-dual, só existe Deus. Mas nós vemos que o mal existe.
Os hindus dizem que o mal existe na sua interpretação, e não em si mesmo. Você o chama de mal porque não pode entendê-lo, ou porque está perturbado por ele. É a sua atitude que o faz parecer mau.
Não há nenhum mal, o mal não pode existir, só existe Deus, só o Divino existe.
Agora considerarei o seu problema sobre estas bases: duas crianças nasceram - uma é boa a outra é má. Por que você chama uma de boa? E por que diz que a outra é má? A realidade é essa mesma ou é apenas interpretação sua?
Qual é a criança boa - e por quê? Se ela é obediente, é boa, se é desobediente, é má. A que o segue é boa e a que resisti é má. Tudo o que você diz, uma delas aceita. Se diz: Sente-se em silêncio - ela se senta. Mas a outra tenta desobedecer, tenta rebelar-se, esta é má. Isto é interpretação sua. Você não está dizendo nada sobre a criança, está dizendo algo sobre a sua mente.
Porque a obediente é a boa? Na verdade, os obedientes nunca são brilhantes, nunca são muito radiantes, geralmente são insípidos. Nenhuma criança obediente tem sido um grande cientista, ou um grande religioso, ou um grande poeta, nenhuma criança que seja obediente. Só os desobedientes se tornam grandes inventores, grandes criadores. Só os rebeldes transcendem o velho, chegam ao novo e penetram no desconhecido.
Mas, para o ego dos pais, o obediente é considerado bom porque isso ajuda o ego. Quando a criança o segue, seja lá no que for que diga, você se sente bem, quando a criança resiste e nega, você se sente mal.
Mas uma criança realmente viva será rebelde. Porque deveria segui-lo? Quem é você? E por que ela deveria obedecê-lo: só porque é o pai? O que você faz para ser um pai? Você é apenas uma passagem, e isso também é bastante inconsciente.
O seu sexo não é um ato consciente, você é empurrado por forças inconscientes para dentro dele. A criança foi só um acidente: não era uma expectativa sua, você nunca esteve conscientemente atento a quem estava convidando para vir. A criança chegou de repente como um estranho, e você assumiu a paternidade, mas não é o pai.
Quando digo que você assumiu a paternidade, é uma coisa biológica, você não seria necessário, até uma seringa poderia ter feito isto. Mas você não é o pai porque não está consciente. Não fez um convite, não pediu para que uma alma particular entrasse no útero de sua esposa, de sua bem amada, você não trabalhou para isto.
E quando a criança nasce...O que você faz para isso? Quando diz que a criança deve obedecê-lo, está suficientemente seguro de que sabe a verdade para que ela o siga? Está suficientemente seguro e certo de que compreendeu alguma coisa que a criança deve seguir?
Você pode se impor sobre a criança porque ela é fraca e você é forte, esta é a única diferença entre vocês dois. Mas você é tão infantil, tão ignorante, ainda não cresceu, não amadureceu. Sente raiva assim como a criança, sente ciúmes como a criança, e se entretem com brinquedos, exatamente como ela. Seus brinquedos podem ser diferentes, um pouco maiores, mas só isso.
O que é a sua vida? O que você alcançou? Que sabedoria conseguiu para que a criança o siga e diga sim a tudo o que você diz?
Um pai estará consciente disso, não forçará nada sobre a criança, pelo contrário, permitirá que a criança seja ela mesma. Auxiliará para que ela seja ela mesma, dará liberdade à criança porque se ela sabe alguma coisa, tem que saber que o interior só cresce através da liberdade.
Se ele experimentou qualquer coisa em sua vida, sabe muito bem que a experiência precisa de liberdade. Quanto maior a liberdade, mais rica é a experiência, quanto menor a liberdade... não há possibilidade de experimentar. Se não houver liberdade nenhuma, então você terá experiências imprestáveis, imitações, sombras, mas nunca algo real, nunca o autêntico.
Ser pai de uma criança significa dar a ela liberdade cada vez maior, torná-la cada vez mais independente, permitir que se mova no desconhecido onde você nunca esteve. Ela o transcenderá, estará à sua frente, ultrapassará todos os limites que você conheceu. Ela precisará ser auxiliada, mas não forçada, porque se você começar a forçar estará matando, estará assassinando a criança.
O espírito necessita de liberdade, cresce em liberdade, e somente em liberdade. Se você é realmente um pai, sente-se feliz quando a criança é rebelde, nenhum pai quer matar o espírito da criança.
Mas vocês não são pais, estão doentes de seus próprios males. Quando você força uma criança a segui-lo, está simplesmente dizendo que quer dominar alguém. E como você não pode fazer isso no mundo, pelo menos você pode dominar, possuir, essa pequena criança. Você está sendo um policial para a criança.
Quer satisfazer certos desejos insatisfeitos através da criança, dominar, ser ditador. Pelo menos pode ser um ditador para a criança, ela é tão fraca, tão jovem e indefesa, depende tanto de você que pode forçá-la a qualquer coisa. Mas pela força você a estará matando, não estará fazendo com que ela nasça, estará destruindo-a.
E a criança que obedece parece boa porque está morta. A que se rebela, parece má porque está viva.
Por termos perdido nossas próprias vidas, somos contra a vida. Por já estarmos mortos antes que a morte tenha chegado, queremos sempre matar os outros. As maneiras são sutis. Você pode matar em nome do amor, pode matar em nome da compaixão, pode matar em nome da manutenção. Encontramos belos nomes mas, no fundo, está sentado o assassino."
OSHO, em "Meu Caminho, O Caminho das Nuvens Brancas"