domingo, 31 de agosto de 2014

Como Nos Mantermos Abertos Quando o Mundo Se Fecha Para Nós







Tem momentos em que o mundo se parece com um grande muro à nossa frente. Diante de problemas complexos ou nos deparando com o caos da cidade, temos que encarar o mesmo desafio mental: dissolver uma barreira que nos parece intransponível.








A internet não funciona, o trânsito está pesado, o barulho é intenso. Quando finalmente você chega ao local marcado, fica sabendo que seu compromisso foi cancelado... E assim vai, cada um conhece as resistências e os desafios que enfrenta no seu cotidiano. O ponto aqui é saber como nos mantermos abertos quando o "mundo" se fecha para nós.

O budismo nos ensina que nossa sanidade básica está sustentada pela capacidade interna de nos mantermos abertos e receptivos. Este senso de abertura nos permite a atrair novas possibilidades. É como dizer: "Ok esta porta está fechada, mas posso ir por outra."

O desafio está em conseguirmos manter um senso de perspectiva constante principalmente quando nos defrontamos com uma porta fechada depois da outra.

Quando nossa mente se fecha, torna-se fixa e raivosa. O desconforto da falta de espaço dentro e fora de nós cresce na medida em que nos vemos paralisados, sem recursos para agir. Quando temos a sensação de não haver saída: tudo se torna agressivo. Onde quer que nos movamos, nos deparamos com outro obstáculo. Por menor que ele seja, gera mais uma irritação. Como recuperar as forças diante de tanta pressão?

O melhor é parar. Desistir de insistir. Assim como a água se mantém turva enquanto estiver turbulenta, temos que nos aquietar para recuperar uma visão clara. Aquietarmos-nos sem nos deixarmos ser tomados por uma sensação de fracasso e derrota. Lama Gangchen Rinpoche me disse certa vez quando estava enfrentando alguns "portões fechados": "Não olhe para a sombra, mas para o lado da realidade. Uma mente cientista é capaz de analisar a realidade sem gerar duvidas." Ou seja, devemos nos manter parados o tempo suficiente para que surja em nós a disponibilidade interna de olhar para todos os lados. Pois, enquanto nossa mente estiver lutando para ver algo, permanecerá defensiva.

Os primeiros sinais de uma nova abertura mental surgem quando temos o desejo de conhecer algo sem intelectualizar demais. Deixar-se levar por uma certa curiosidade, mas sem ainda aprofundar nossos conhecimentos de forma a já definir o caminho a seguir.

Na medida em que nos conectamos com esta sensação de interesse pela novidade recuperamos nossas forças, pois é a partir desta nova atitude que nos damos uma nova chance. Quanto mais perspectivas tivermos, mais seguros nos sentiremos para seguir adiante.

Durante esta "parada obrigatória", podemos aproveitar o tempo para recuperar uma visão panorâmica e reconhecer como as coisas estão ligadas umas às outras. A partir desta visão interdependente, novas perspectivas podem se manifestar. Caso contrário, será como agitar novamente a água, tornando-a turbulenta. Temos que parar o tempo o suficiente para recuperar o espaço interior.

O budismo nos lembra que a raiz de nossos pensamentos de sofrimento está no hábito de dar solidez à realidade. Quando projetarmos a ideia de que as coisas são imutáveis, densas e concretas, criamos uma separação entre nós e o "outro", entre o que acontece dentro e fora de nós. Quanto maior for a ideia de que as coisas são fixas, maiores nos aparecerão os obstáculos.

Ao ser perguntado: "Como lidamos com as situações práticas da vida enquanto tentamos ser simples e experimentar o espaço?" Trungpa Rinpoche respondeu: "Veja bem, a fim de experimentar o espaço aberto precisamos também experimentar a solidez da terra, da forma. Eles são interdependentes. Muitas vezes damos um aspecto romântico ao espaço aberto e depois caímos em armadilhas. Contanto que não romantizemos o espaço aberto, imaginando-o um lugar maravilhoso, mas relacionando o espaço à Terra, evitaremos as armadilhas. O espaço não pode ser experimentado sem os contornos da terra para defini-lo. Se formos pintar um quadro do espaço aberto, teremos de expressá-lo em termos do horizonte da Terra. É preciso, portanto, voltarmos aos problemas da vida cotidiana, aos problemas banais. Essa é a razão de serem tão importantes a simplicidade e a precisão das atividades diárias. Se percebermos o espaço aberto, deveremos retornar às nossas velhas, familiares, claustrofóbicas situações de vida e examiná-las mais de perto, esquadrinhá-las, absorvermo-nos nelas, até que o absurdo de sua solidez nos chame a atenção e possamos ver-lhe também a qualidade de espaço."

Em seguida, lhe perguntaram: "Como nos relacionamos com a impaciência que acompanha o período de espera?" E ele apenas disse:"A impaciência significa que não temos uma compreensão completa do processo. Se virmos a totalidade de cada ação, deixaremos de ser impacientes." (Chögyam Trungpa, Além do Materialismo Espiritual, Editora Cultrix).

Tenho um app no meu celular com frases de sabedoria de Lama Gangchen Rinpoche: "wise oracle". Vale a pena consultá-lo! Hoje cedo a frase que tirei foi a seguinte: Pensamentos são uma companhia constante, escolha os positivos". Mal comecei o dia e me deparei com várias portas fechadas. Desisti do que ia fazer. Parei. E ao final saiu este texto...

Bel Cesar


Psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. Autora dos livros Viagem Interior ao Tibete, Morrer não se improvisa, O livro das Emoções, Mania de sofrer e recentemente O sutil desequilíbrio do estresse, todos pela editora Gaia.
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Email: belcesar@ajato.com.br

Fonte:  Somos Todos Um

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