Os hábitos obrigam você a fazer certas coisas; você é uma vítima. Os hindus dão a isso o nome de karma. Cada ato que você repete, ou cada pensamento — porque os pensamentos também são ações mentais sutis — fica cada vez mais forte. E então você fica sob o domínio dele. Fica preso ao hábito. Você passa a viver a vida de um prisioneiro, de um escravo. E esse aprisionamento é muito sutil; a prisão é feita de hábitos, de condicionamentos e de ações que você praticou. Tudo isso está em torno do seu corpo e você fica todo emaranhado, mas continua se fazendo de tolo, achando que é você quem está decidindo.
Quando fica zangado, você acha que é você quem decide ficar. Você racionaliza e diz que a situação exigiu esse comportamento: “Eu tive de ficar zangado, senão a criança ficaria malcriada. Se eu não ficasse zangado, as coisas dariam errado, o escritório ficaria um caos. Os empregados não ouviriam; tive de ficar zangado para pôr as coisas em ordem. Para colocar minha mulher em seu devido lugar, tive de ficar zangado.” Essas são as racionalizações — é assim que seu ego continua a pensar que você ainda está no comando. Mas você não está.
A raiva é fruto de velhos padrões, do passado. E, quando ela irrompe, você tenta achar uma desculpa para ela. Os psicólogos têm feito experiências e chegaram às mesmas conclusões que a psicologia esotérica oriental: o ser humano é uma vítima, não é senhor de si mesmo.
Os psicólogos deixaram as pessoas em isolamento, com todo conforto possível. Tudo o que lhes fosse necessário era proporcionado, mas elas não tinham contato nenhum com outros seres humanos. Viveram em isolamento numa cela com ar-condicionado — sem ter de trabalhar, sem ter nenhum problema, mas continuaram com os mesmos hábitos. Numa manhã, sem nenhuma razão — porque elas tinham todo conforto, não havia com que se preocuparem, nenhuma desculpa para ficarem zangadas —, um homem descobriu de repente que começava a sentir raiva.
Ela está dentro de você. As vezes, surge uma tristeza sem nenhuma razão aparente. E, às vezes, aflora um sentimento de felicidade, euforia ou êxtase. Um homem destituído de todos os relacionamentos sociais, isolado num ambiente com todo conforto, em que todas as suas necessidades são satisfeitas, passa por todos os estados de ânimo pelos quais você passa num relacionamento. Isso significa que alguma coisa vem de dentro e você a associa a outra pessoa. Isso é só uma racionalização.
Você se sente bem, você se sente mal e esses sentimentos borbulham da sua própria inconsciência, do seu próprio passado. Ninguém é responsável, exceto você. Ninguém pode deixar você zangado ou feliz. Você fica feliz por sua própria conta, fica zangado por sua própria conta e fica triste por sua própria conta. A menos que perceba isso, você continuará para sempre um escravo.
O domínio do seu próprio eu você conquista quando percebe: “Sou absolutamente responsável por tudo o que me acontece. Seja o que for que acontecer, incondicionalmente — sou inteiramente responsável.”
A princípio, isso o deixará extremamente triste e deprimido, porque, quando pode jogar a culpa nos outros, você fica tranquilo e certo de que não é você quem está errando. O que você pode fazer se a sua mulher está se comportando dessa forma tão desagradável? Você tem de ficar com raiva. Mas, veja bem, a sua mulher está se comportando dessa forma por causa dos seus próprios mecanismos interiores. Ela não está sendo desagradável com você. Se você não estivesse ali, ela seria desagradável com o filho. Se o filho não estivesse ali, ela seria desagradável com a pia cheia de louça; ela jogaria toda a louça no chão. Quebraria o rádio. Ela teria de fazer alguma coisa; esse sentimento afloraria nela.
Foi pura coincidência o fato de você estar ali, lendo seu jornal, e ela ter sido desagradável com você. Foi pura coincidência o fato de você estar ali, à disposição, no momento errado.
Você está com raiva não porque sua mulher foi desagradável — ela pode ter criado toda a situação, mas isso é tudo. Ela pode ter lhe dado a oportunidade de ficar com raiva, uma desculpa para ficar com raiva, mas a raiva estava borbulhando. Se a sua mulher não estivesse ali, você teria ficado com raiva do mesmo jeito — com outra coisa, com alguma ideia, mas a raiva tinha de aflorar. Ela era algo que vinha do seu próprio inconsciente.
Todo mundo é responsável, totalmente responsável, pelo seu próprio ser e pelo próprio comportamento. No começo, essa constatação fará com que você fique muito deprimido, pois você sempre achou que quisesse ser feliz — então, como você pode ser responsável pela sua infelicidade? Você sempre almejou um estado de bem-aventurança, então como pode decidir ficar com raiva? É por causa disso que você joga a responsabilidade nas costas dos outros.
Se continuar a jogar a responsabilidade nas costas dos outros, lembre-se de que você vai continuar sendo sempre um escravo, pois ninguém pode mudar ninguém. Como é possível mudar outra pessoa? Será que, algum dia, alguém já conseguiu mudar outra pessoa? Um dos desejos mais insatisfeitos deste mundo é mudar o outro. Ninguém conseguiu fazer isso até hoje, é impossível mudar o outro, pois ele é dono da própria vida — você não pode mudá-lo.
Você continua a jogar a responsabilidade nas costas do outro, mas não pode mudá-lo. E como você continua a jogar a responsabilidade nele, você nunca verá que a responsabilidade básica é sua. A mudança básica precisa acontecer dentro de você.
Você cai numa armadilha: se começa a achar que você é responsável por todas as suas atitudes, por todos os seus estados de ânimo, a princípio, você é tomado por um sentimento de depressão. Mas, se conseguir vencer essa depressão, logo você sentirá luz, pois estará livre das outras pessoas. Agora poderá trabalhar em si mesmo. Poderá ser livre, poderá ser feliz. Mesmo que o mundo inteiro esteja infeliz e cativo, isso não vai fazer a mínima diferença. A primeira libertação é parar de pôr a culpa nos outros, a primeira libertação é saber que você é o responsável. Depois disso, muitas coisas passam a ser imediatamente possíveis.
Se continuar a jogar a responsabilidade nos ombros dos outros, não se esqueça de que será para sempre um escravo, pois ninguém pode mudar ninguém. Como é possível mudar outra pessoa? Alguém já conseguiu isso antes?
Independentemente do que esteja acontecendo com você — se estiver triste, simplesmente feche os olhos e observe sua tristeza. Procure saber aonde ela leva, mergulhe fundo dentro dela. Logo você encontrará a causa. Pode ser que você tenha de percorrer um longo percurso, pois toda a sua vida está envolvida nisso; e não só esta vida, mas muitas outras que você já viveu. Você encontrará muitas feridas em si mesmo, que machucam, e por causa dessas feridas você está triste — elas estão tristes; essas feridas não cicatrizaram ainda; ainda estão abertas.
O método de retroceder até a fonte, ir do efeito até a causa, curará essas feridas. Como curá-las? Por que curá-las? Qual é o fenômeno implicado nisso?
Sempre que faz uma retrospectiva, a primeira coisa que você deixa de lado é a mania de pôr a culpa nos outros, pois se faz isso você acaba se voltando para as circunstâncias externas. Nesse caso, todo o processo está errado: você tenta encontrar a causa em outra pessoa: “Por que minha mulher foi tão desagradável?” Aí a vontade de saber “por que” faz com que você continue a investigar o comportamento da sua mulher. Você errou o primeiro passo e todo o processo fracassará.
“Por que estou infeliz? Por que estou com raiva?” — feche os olhos e deixe que isso seja uma meditação profunda. Deite-se no chão, feche os olhos, relaxe o corpo e sinta a razão por que está com raiva. Simplesmente esqueça sua mulher; isso é só uma desculpa — A, B, C, D, seja o que for, esqueça a desculpa. Basta que mergulhe profundamente dentro de si, mergulhe na raiva.
Use a própria raiva como um rio; você flui dentro dessa raiva e ela o leva para dentro de si mesmo. Você descobrirá feridas sutis em seu interior. A sua mulher pareceu desagradável porque ela tocou numa ferida sutil que você tem, algo que ainda dói. Você nunca se achou atraente, nunca achou seu rosto bonito e existe uma ferida aí dentro. Quando sua mulher foi desagradável, ela fez com que você ficasse consciente do seu rosto. Ela diz; — Vá e se olhe no espelho! — isso dói. Você tem sido infiel à sua mulher e, quando quer ser desagradável, ela toca novamente nesse assunto: — Por que você estava rindo com essa mulher? Por que parecia tão feliz sentado ao lado dela? — ela toca uma ferida. Você tem sido infiel, sente-se culpado; a ferida está aberta.
Feche os olhos, sinta a raiva e deixe que ela aflore totalmente de modo que você possa ver como ela é. Então deixe que essa energia o ajude a voltar ao passado, pois a raiva vem do passado. Não pode vir do futuro, é claro. O futuro ainda não passou a existir. Ela também não vem do presente. É nisso que se baseia toda a teoria do karma, ela não pode vir do futuro porque o futuro ainda não existe; não pode vir do presente porque você nem sabe o que ele é. Só as pessoas que despertaram sabem o que é o presente.
Você vive exclusivamente no passado, portanto, essa raiva só pode ter vindo de algum lugar do seu passado. A ferida tem de estar em algum lugar da sua memória. Volte. Pode não haver apenas uma ferida, pode haver várias — pequenas, grandes. Mergulhe fundo e encontre a primeira ferida, a fonte original de toda a raiva. Você conseguirá encontrá-la se tentar, pois ela já está ali. Está ali; todo o seu passado está ali.
É como um filme, rodando e aguardando interiormente. Você faz com que ele rode, começa a assisti-lo. Esse é o processo de retroceder até a causa original. E essa é a beleza de todo o processo. Se você conseguir retroceder conscientemente, se conseguir sentir conscientemente uma ferida, ela imediatamente cicatrizará.
Por que ela cicatriza? Porque a ferida é criada pela inconsciência, pela falta de percepção consciente. A ferida faz parte da ignorância, do sono. Quando você volta ao passado com consciência e olha essa ferida, a consciência se torna uma força de cura. No passado, quando a ferida se abriu, isso aconteceu na inconsciência. Você ficou com raiva, foi possuído pela raiva, e fez alguma coisa. Matou um homem e teve de esconder esse fato do mundo. Você pode escondê-lo da polícia, pode escondê-lo dos tribunais e da justiça, mas como pode escondê-lo de si mesmo? — você sabe, isso dói. E, sempre que alguém lhe der a oportunidade de ficar com raiva, você vai ficar com medo, porque pode acontecer novamente, você pode matar sua mulher. Volte ao passado, pois nesse momento em que você assassinou um homem ou se comportou como um louco homicida, você estava inconsciente. Na inconsciência, essas feridas têm sido conservadas. Agora faça conscientemente uma retrospectiva.
Fazer uma retrospectiva significa voltar conscientemente às coisas que você fez na inconsciência. Volte — só a luz da consciência cura; ela é uma força de cura. Tudo o que você puder fazer conscientemente será terapêutico e não machucará mais.
O homem que volta ao passado se liberta dele. Como o passado deixa de interferir, ele passa a não ter mais poder sobre ele e chega a um ponto final. O passado não tem nenhum espaço no seu ser. E, quando o passado não tem nenhum espaço no seu ser, você fica disponível para o presente; nunca antes disso.
Você precisa de espaço — o passado está tão entranhado dentro de você — é um armário cheio de coisas mortas — que não há espaço para o presente entrar. Esse armário continua sonhando com o futuro, portanto, metade dele está cheia do que não existe mais e a outra metade está cheia com o que não existe ainda. E o presente? — está simplesmente esperando do lado de fora. É por isso que o presente nada mais é do que uma passagem, uma passagem do passado para o futuro, só uma passagem momentânea.
Liquide com o passado — a menos que liquide com ele, você vai viver uma vida-fantasma. Sua vida não é verdadeira, não é existencial. O passado vive por seu intermédio, os mortos continuam assombrando você. Volte ao passado — sempre que tiver uma oportunidade, sempre que alguma coisa acontecer dentro de você. Felicidade, infelicidade, tristeza, raiva, ciúme — feche os olhos e faça uma retrospectiva.
Logo você vai aprender a viajar ao passado. Logo vai conseguir voltar no tempo e, então, muitas feridas irão se abrir. Quando essas feridas se abrirem dentro de você, não comece a fazer nada. Não é preciso fazer nada. Simplesmente observe, olhe, vigie. A ferida está ali — você simplesmente observa, concentra sua energia de atenção na ferida, olha para ela.
Olhe para ela sem fazer nenhum julgamento — pois, se julgar, se disser: “Isso é ruim, não deveria estar aqui”, a ferida se fechará novamente. Então ela terá de se esconder. Sempre que você condena, a mente tenta esconder as coisas. É assim que o consciente e o inconsciente são criados. Do contrário, a mente seria uma coisa só; não seria preciso nenhuma divisão. Mas você condena — então a mente tem de dividir e colocar as coisas no escuro, no porão, para que você não possa vê-las e não seja preciso condená-las.
Não condene, não avalie. Seja simplesmente uma testemunha, um observador imparcial. Não negue. Não diga: “Isso não é bom”, pois isso é uma negação e você começou a reprimir.
Seja imparcial. Só observe e olhe. Olhe com compaixão e a cura se efetuará.
Não me pergunte por que isso acontece, pois é um fenômeno natural — assim como a água evapora quando chega aos cem graus. Você nunca pergunta: “Por que a água não evapora quando chega aos noventa graus?” Ninguém pode responder a essa pergunta. Simplesmente acontece de a água só evaporar aos cem graus. Não há dúvida disso, e a dúvida é irrelevante. Se ela evaporasse aos noventa graus, você questionaria. Se evaporasse aos oitenta, você ia querer saber por quê. É simplesmente natural que a água evapore aos cem graus.
O mesmo vale para a natureza interior. Quando uma consciência imparcial, compassiva, toca uma ferida, essa ferida some — evapora. Não existe explicação para isso. É simplesmente natural, é como as coisas são, é o que acontece. Quando digo isso, falo por experiência própria. Tente e você constatará o mesmo. É fato.
Osho, em "Consciência: A Chave Para Viver em Equilíbrio"