sábado, 25 de fevereiro de 2012

A Verdade de Uma Realidade





O primeiro passo para derrotar a sombra é abandonar todas as expectativas de derrotá-la.

O lado obscuro da natureza humana viceja na guerra, na dificuldade e no conflito. Assim que falar em "vencer", já perdeu.

Você foi arrastado para a dualidade do bem e do mal. Quando isso acontece, nada pode acabar com a dualidade.







De uma vez por todas, o bem não tem poder para derrotar seu oponente. Sei que isso é difícil de aceitar. Na vida de todos nós há ações passadas das quais nos envergonhamos e impulsos presentes contra os quais lutamos.

Ao redor existem atos indescritíveis de violência. As guerras e os crimes devastam sociedades inteiras. As pessoas rezam desesperadamente a um poder superior que possa restaurar a luz onde a escuridão prevalece.

Há muito tempo, os realistas desistiram de ver o lado bom da natureza humana superando o lado mal. A vida de Sigmund Freud, um dos pensadores mais realistas a confron­tarem a psique, chegou ao fim enquanto a violência do nazis­mo devorava a Europa. Ele havia concluído que a civilização existe a um custo trágico.

Precisamos reprimir nossos instintos selvagens , de modo a mantê-los em xeque; porém, apesar de nossos melhores esforços, haverá muitas derrotas. O mundo irrompe na violência em massa; os indivíduos irrompem na violência pessoal. Essa análise implica uma forma terrível de resignação.

Meu "eu bom" não tem nenhuma chance de viver uma vida pacífica, afetuosa e organizada, a menos que meu "eu mau" seja preso na escuridão, enjaulado em confinamento solitário. Os realistas admitirão que a repressão, em si, é maligna.

Se você tentar sufocar seus sentimentos de raiva, medo, insegurança, inveja e sexualidade, a sombra ganha mais energia para seu próprio uso.E esse uso é implacável.Quando o lado sombrio se volta contra você, começa o massacre.

Na semana passada, recebi uma ligação de uma mulher desesperada, em busca de abrigo e segurança. Seu marido era um alcoólatra crônico. Eles vinham lidando com o problema havia anos. Depois de períodos de sobriedade, ele tinha recaídas e abandonava o trabalho e a família, o que o deixava exaus­to e envergonhado quando as crises passavam.

Recentemente, ele havia desaparecido por uma semana e, ao voltar, todo seu remorso foi recebido por ouvidos surdos. A esposa queria se separar. Ele reagiu com violência, agrediu-a, algo que ela mencionou nunca ter acontecido antes. Agora, além de toda frustração e lágrimas, ela temia por sua segurança.

De imediato, tudo o que pude fazer foi dar o melhor con­selho quanto a abrigos e grupos de apoio à mulher. Mas, quan­do desliguei o telefone, sentindo o resíduo das emoções dela, pensei no caso com mais calma. Os dependentes que recaem transformam-se em uma apresentação-padrão do panorama psicológico.

Mas o que, de fato, eles representam? Acho que são um exemplo extremo de uma situação comum: um self (sí mesmo)dividido. Para os dependentes, a separação entre o "eu bom" e o "eu mau" não pode ser resolvida. Normalmente, a tática para lidar com o lado sombrio de alguém é relativamente fá­cil.

Não é difícil negar seus atos ruins, esquecer seus impulsos perniciosos, desculpar-se por ficar zangado e demonstrar arrependimento pelas ações más. Dependentes não sossegam com preceitos fáceis. Seus impulsos mais sombrios já os preocupam sem as repressões normais.

Até mesmo o acesso ao sim­ples prazer é negado. Os demônios internos minam e estragam o prazer; debocham da felicidade; os demônios repetidamente lembram os dependentes de sua fraqueza e maldade.Digamos que essa descrição esteja quase correta. Deixei de fora alguns ingredientes importantes.

O hábito tem um papel significativo na dependência. Assim como as mudanças físicas que ocorrem no cérebro — as pessoas que abusam de substâncias psicoativas têm seus receptores cerebrais atingidos por químicas estranhas que acabam destruindo as reações normais do prazer e da dor.

No entanto, esses aspectos físicos da dependência têm sido exagerados de modo grosseiro. Se a dependência fosse fun­damentalmente física, milhões de pessoas não estariam fazendo uso casual de álcool e drogas. No entanto, fazem, com um dano relativamente pequeno em longo prazo e com mínimas chances de dependência.

Sem ingressar na controvérsia inflamada da dependência e suas causas, pode-se ver que isso não é um proble­ma isolado, e sim mais uma expressão da sombra.Por essa razão, para tratar dependências, precisamos abor­dar a sombra e desarmá-la. Já que todos nós desejamos isso, deixe-me permanecer com o marido bêbado, regressando da crise de uma semana.

Ele estará à mercê de outras expressões da sombra, como o temperamento violento, o preconceito racial,opinião exacerbada, agressiva sexual e muito mais. A primeira vista, esses fatores podem não parecer relacionados. Um chefe que pratica assédio sexual não demonstra o mesmo comportamento descontrolado de alguém que surra um homossexual, come­tendo um crime hediondo.

No entanto, a sombra fornece uma ligação. Sempre que qualquer aspecto do self for separado, rotulado como mau, ilícito, vergonhoso, culposo ou errado, a sombra ganha poder. Não importa se o lado sombrio da natureza humana se expressa de forma violenta ou branda, socialmente tolerada. O fator essencial é que uma parte do self foi separada.

Depois de separado, o fragmento "ruim" perde contato com a essência do self, fica a parte que consideramos "boa" por conta de sua aparente ausência de violência, raiva e medo. Esse é o self adulto, o ego que se adaptou tão bem ao mundo e às outras pessoas. O marido bêbado tem um self bom, é claro. Ele poderia ter um self muito mais agradável e aceitável que o nor­mal.

Quanto mais você reprime seu lado obscuro, mais fácil será construir uma personalidade resplandecente de bondade e luz. (Ressalte-se a surpresa repetida de vizinhos que dizem às equipes de TV, depois de um grande tiroteio, ou outro crime hediondo, que o agressor "parecia um homem tão bom".)

Só em falar com a esposa perturbada, soube que seu ma­rido tivera passagens em clínicas de reabilitação. Às vezes, o tratamento funcionava por um tempo. Mas até durante seus períodos de sobriedade o homem ficava infeliz. Ele estava constantemente de guarda, com receio de ter uma nova recaída.

No entanto, por mais que lutasse contra, a possibilidade era inevitável. Mesmo durante um tempo de vitória temporária, a sombra só precisava esperar para ver.Uma vez, quando seu marido estava em uma das crises de tremendo delírio, os suores noturnos e delírios se tornaram insuportáveis.

A esposa correu até um médico, implorando por algum remédio que pudesse mitigar os sintomas. Mas ela deparou com um médico realista obstinado, e ele se recusou. "Deixe-o chegar ao fundo do poço", disse ele. "Essa é sua única esperança verdadeira. Fora isso, você não vai ajudá-lo tornan­do as coisas menos dolorosas."

Você e eu podemos pensar que esse seja um conselho insensível. Mas o fenômeno de chegar ao fundo do poço é bem conhecido nos círculos da dependência. Ele pode representar um risco terrível, pois, quando a sombra arquiteta seu blefe, ela recorre ao extremo da autodestruição.

Não há limite prá­tico na extensão de sofrimento que o inconsciente pode criar, e todos nós somos frágeis. Os dependentes — ou qualquer um que esteja nas garras da energia da sombra — estão presos em uma névoa de ilusão. Dentro dessa névoa não existe nada além de fissura e o terror de não conseguir satisfazê-la.

Quando a perigosa jornada de chegar ao fundo do poço funciona, essa névoa se dissipa. O dependente começa a ter pensamentos verdadeiramente realistas. "Sou mais que minha dependência. Não quero perder tudo.

O medo pode ser superado. Já é hora que isso acabe." Em tais momentos de clareza, o self se compõe e enxerga a si mesmo, sem tampões nos olhos.Você só tem um self. É o seu eu real. Ele está além do bem e do mal.

A sombra perde o poder quando a consciência para de se dividir. Quando você já não está mais dividido, não há nada para ver além de um self em todas as direções. Não há compartimentos ocultos, calabouços, celas de tortura ou rochas limosas onde se esconder.

A consciência vê a si mesma. Essa é sua função mais básica, e, ao descobri-la, veremos que des­sa simples função pode nascer um novo self talvez um novo mundo.

Deepak Chopra




Fonte: Extraído do Livro "O Efeito Sombra"

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