O sutra é longo e a noite é curta. Eu espero ser capaz de terminar isto antes do sol nascer.
Quando o monge novato, Gao, pela primeira vez visitou Yakusan, Yakusan perguntou a ele: "De onde você vem?" Esta questão é formulada repetidas vezes: "De onde você vem?"
Ela não se refere ao lugar, ela se refere ao espaço. Ela se refere à sua casa suprema, da qual você veio.
Gao disse: "De Nanyue," o nome da aldeia dele. Ele não poderia entender, ele estava chegando agora. Ele não tinha nenhuma ideia do porquê dos mestres perguntarem: "De onde você vem?"
Eles estão perguntando: "Você tem meditado? Você tem estado no centro de seu Ser? Você tem olhado além do centro, para o espaço eterno do qual você está vindo?" Isto é perguntar de uma forma bastante sutil: "Você é um meditador? Você encontrou o centro de seu Ser, seu Buda?"
Mas eles não perguntam desta forma, eles perguntam uma questão simples. Agora a resposta do novato decidirá, para o mestre, onde começar. Gao disse: "De Nanyue." Yakusan perguntou: "Para onde você está indo?"
Esta é outra questão, da mesma categoria. Se você sabe para onde você está indo você saberá simultaneamente de onde você está vindo, porque é o mesmo lugar, de onde nós viemos e para onde nós vamos. É um círculo completo, o mesmo ponto é alcançado novamente, a mesma eternidade, o mesmo cosmos.
Um maremoto surge no oceano, desde onde ele está vindo? E, logo ele se dispersa de volta ao oceano. A fonte de onde você está vindo, e a fonte para onde você está indo é absolutamente a mesma.
Porque o novato falhou na primeira questão - ele não pode entendê-la - Yakusan perguntou: "Para onde você está indo? Se você desconhece de onde você está vindo, ao menos você deve saber para onde você está indo."
Gao respondeu: "Para Jiangling, receber os conceitos básicos."
Jiangling era uma espécie de universidade, onde grandes eruditos traduziam escrituras budistas para a China e Índia. Era o lugar mais famoso e eminente.
Então ele falou: "Eu estou indo para Jiangling para receber os conceitos básicos, os ensinamentos de Buda."
Yakusan então perguntou: "Qual é a intenção em receber os conhecimentos básicos?" O que você vai fazer com os conhecimentos básicos? Você pode aprender todas as escrituras, mas isto não fará você sábio. Ao contrário, isto fará de você mais egotista e mais ignorante. O que você vai fazer ao receber os conteúdos básicos?
O Zen não está nem um pouco interessado no conhecimento.
Um mestre Zen queimou todas as escrituras budistas, e ele louvava Buda, ele amava Buda. E ele tinha se tornado iluminado como uma herança de Buda. Mas ele queimou todas as escrituras após sua iluminação porque ele viu, "Estas escrituras tem estado me obstruindo por anos, eu teria ficado iluminado a qualquer hora, mas por causa destas escrituras eu estive repetindo palavras, empilhando teorizações, enchendo-me com grande filosofia e isto foi se tornando uma grande muralha da China, muito difícil de passar além dela."
Quando ele se tornou iluminado sob um mestre, a primeira coisa foi queimar todas as escrituras. Isto não quer dizer que ele faltou com respeito à Buda, porque na manhã seguinte ele estava dançando à frente da estátua de Buda.
O mestre dele disse: "Mas você queimou as escrituras?" Ele disse: "Sim, eu queimei as escrituras porque eu fiquei consciente da verdade de Buda, ela não está nas escrituras, ela está em mim. E em profunda gratidão estou dançando em frente à estátua dele."
Um monge Zen queimou uma estátua de madeira de Buda porque a noite estava fria. O sacerdote veio e disse, "Você está maluco?"
Ele disse: "Talvez, mas a noite está fria demais. E você tem mais dois Budas em seu templo, eu só peguei um. Seja compassivo, traga, ao menos, mais um porque ainda há uma longa noite por vir e está ficando mais frio."
O sacerdote disse: "Eu pensei que você fosse um grande mestre, foi por isto que permiti a você ficar de noite no templo. Nunca tinha pensado, nem mesmo nos meus sonhos que um grande mestre poderia fazer uma coisa como essa. Você queimou meu Buda mais precioso. Ele era feito de madeira de sândalo."
O mestre pegou seu bastão e começou a procurar nas cinzas do Buda queimado.
O sacerdote disse: "O que você está fazendo agora?"
Ele disse: "Estou procurando os ossos dele."
O sacerdote disse: "Meu Deus, você está mesmo louco! Esta é uma estátua de madeira, ela não tem nenhum osso!" Ele falou: "Isto é o que eu estava dizendo: isto não é Buda, isto é só uma réplica de madeira. Basta você trazer outra estátua. Nenhuma de suas estátuas são Budas, elas são somente madeiras esculpidas. Traga-a, a noite é por demais fria e um Buda vivo está pedindo para você."
O sacerdote pensou que aquele homem iria queimar o templo inteiro. Ele o empurrou porta afora, fechou a porta...
O mestre falou: "Escute, você se arrependerá depois. Você está jogando fora o Buda vivo em troca de estátuas de madeira. Mas... isto está bem, pela manhã, vejo você." Nenhuma raiva, nenhum sentimento de humilhação.
Pela manhã, quando o sacerdote abre a porta, ele abre com muita cautela, olhando para onde aquele homem louco tinha ficado sentado. Ele não estava ali. Então ele abre as portas e, quando ele o viu, sentado do outro lado da estrada...
Havia uma marcação de estrada, e ele tinha coletado algumas flores selvagens e as tinha colocado na marcação, e ele estava fazendo seu louvor matinal: Buddham sharanam gachchhami.
O sacerdote disse: "Que homem é esse? Na noite ele queima o Buda e, agora, de frente para um marcador de estrada ele está dizendo: 'Eu cheguei aos pés de Buda.'" O sacerdote se aproximou dele, mas ele não o olhou. Ele estava em profunda meditação, em profunda serenidade.
Enquanto o sol estava nascendo, alguma coisa dentro dele estava ficando cada vez mais leve. Quando ele abriu os olhos, o sacerdote olhou em seus olhos. Ele nunca havia visto tamanha beleza, profundidade semelhante. Ele nunca havia visto tanto silêncio, tanta graça.
Talvez ele tivesse cometido um erro. Ele tocou os pés do mestre. O mestre disse: "Falei a você, antes, que você se arrependeria. Você está jogando um Buda para fora do templo e preservando os Budas de madeira."
O Zen é muito honesto. Nem as estátuas podem ajudar, nem as escrituras podem ajudar. A única coisa que pode ajudar é ir mais profundamente dentro de você mesmo, se dando conta do céu interior e da liberdade que vem com isto, e a fragrância do além.
O mestre perguntou: "Qual é a intenção em receber os conhecimentos básicos? O que você vai fazer quando tiver aprendido? Quando você tiver recebido todos os ensinamentos de Buda o que você vai fazer? Qual é a meta?" Gao respondeu: "Escapar do nascimento e da morte."
Ele deve ter ouvido isto, que esses budistas estão tentando sair do círculo do nascimento e da morte. E, obviamente, a maior parte das pessoas vive a vida dessa forma, o que cria mais e mais miséria. Toda a programação da humanidade é para a miséria, assim alguém começa a pensar em como sair do círculo do nascimento e da morte. Isto não vai realmente ajudar.
Você tem que aprender como sair da programação que a sociedade deu a você. Uma vez que você saia desta programação você está fora do nascimento e da morte, e do assim-chamado círculo. Mas sentindo-se miserável, ele pode ter pensado: "É melhor sair do nascimento e da morte."
Yakusan disse: "Há alguém que não recebe os conhecimentos básicos e não tem nascimento e morte para escapar - você sabe quem?" Ele está indicando em direção ao Buda interno dele: "Há alguém que não recebe os conceitos básicos e não tem nascimento e morte para escapar - você conhece ele?"
Gao perguntou: "Então qual é a utilidade dos conhecimentos básicos de Buda?" Ele perdeu o ponto de novo. O mestre foi muito claro. Raramente os mestres Zen são tão claros, mas vendo que aquele homem é um iniciante, Yakusan deve ter sido muito claro, descomplicado.
Ele tinha dito exatamente isto: "Existe alguém que não recebe os conhecimento básicos e não tem nascimento e morte para escapar - você conhece ele?" Ele está simplesmente perguntando: você conhece a si mesmo? Você sabe de alguém dentro de você que não precisa de nenhum conhecimento, que não precisa de escapar do nascimento e da morte, o qual já está mais além? aquele que nunca nasceu e nunca morreu? Ele não precisa de nenhum conhecimento dos princípios básicos, ele conhece diretamente a própria Existência."
Mas Gao não podia entender. Gao perguntou: "Então, qual é a utilidade dos conhecimentos básicos de Buda?" Ele começou a argumentar, o que é quase sempre o que acontece com os recém-chegados. Eles pensam que eles podem argumentar com o mestre. Eles não conhecem coisa alguma, mas a mente deles é cheia de lixo e de todos os argumentos e teorias e credos. Ele começou a argumentar sem escutar o que o mestre tinha dito.
O argumento dele era: "Se há alguém que não precisa de conhecimentos básicos e que não precisa de sair do círculo de nascimento e morte, então, qual é a utilidade dos conhecimentos básicos de Buda?" Isso parece lógico, racional, mas só para aqueles que não conhecem meditação, só para aqueles que conhecem apenas a mente.
Yakusan disse: "Este novato ainda tem lábios e dentes." Lábios para falar, dentes para morder. Ele não entende nada, mas ao menos ele tem lábios que movem e ele tem dentes para morder ao argumentar.
Nisto, o novato inclinou-se e retirou-se. Essa inclinação tornou-se um ritual no Japão. Ele não entendeu coisa alguma. Ele tinha desperdiçado o tempo do mestre. O fato de ter-se inclinado não tem nenhuma gratidão nisto, é simplesmente uma formalidade, assim como quando você cumprimenta com as mãos, sem amor e ternura. Você já viu pessoas se cumprimentando? Mãos diferentes dão mensagens diferentes.
Algumas mãos são tão frias, como se você estivesse segurando um galho morto de uma árvore, nada se move a partir daquelas mãos. Algumas mãos são tão afetuosas e amorosas que você pode sentir um arrepio, alguma energia movendo dentro de você: elas estão prontas a compartilhar. E há mãos que sugam sua energia: depois de segurar mãos assim você sentirá uma estranha fraqueza vindo sobre você.
No Japão, inclinar-se se tornou um ritual. Perdeu a beleza de sua gratidão. Tenho visto isto acontecer por quase quinze anos agora, desde que os ocidentais começaram a vir até mim. Os indianos podem tocar os pés, mas muito raramente como uma gratidão, mais frequentemente apenas como uma formalidade. Milhares de pessoas tem tocado meus pés, e eu tenho estado observando as nuances sutis, as diferenças das energias deles. A maioria deles não tinha nenhuma gratidão, nada: era só uma coisa rotineira, na Índia.
Quando os ocidentais começaram a vir até mim... Isto não é uma rotina no ocidente. O fato é que toda a cultura ocidental, e o sistema educacional, ensinam a você orgulho, ego. Isso é contra tocar os pés de alguém. Portanto, quando os ocidentais estiveram aqui, foi muito difícil para eles tocarem os pés, na mesma medida que foi muito fácil para os indianos tocarem os pés.
Muito raramente um indiano realmente tocou os pés com gratidão, mas quando o ocidental sentia a gratidão emergindo nele o toque nos pés era mais autêntico, não era uma formalidade. Não era um programa predeterminado na mente dele. Em verdade, ele mesmo se espantava. O que ele está fazendo?... Contra toda a educação dele, contrário à toda cultura dele, ele está tocando os pés!
Mas, quando você se depara com uma pessoa, que você sente gratidão, não há como, não há outro caminho para expressar isto. Este iniciante não entendeu nada, mas inclinou-se e retirou-se.
Dogo, então, veio em seguida e ficou junto a Yakusan, que lhe disse, "Este iniciante, que anda com dificuldade, que acaba de vir, apesar de tudo tem alguma vida nele."
Dogo disse: "Ele ainda não está acreditando inteiramente, você deveria testá-lo de novo, primeiro."
O mestre disse: "Ele pode não ter me entendido - este não é o problema, ele é um homem novo, mas uma coisa é certa: este iniciante que anda com dificuldade, que acaba de vir, apesar de tudo tem alguma vida nele."
Ele veio de tão longe. Embora ele nada saiba, ele não conseguiu entender uma palavra, mas, ainda assim, ele tem alguma vida.
Dogo, seu discípulo antigo disse: "Ele ainda não está acreditando totalmente, você deveria testá-lo de novo, primeiro."
Quando o início da noite veio, Yakusan seguiu para o hall, e chamou: "Onde está o iniciante que veio mais cedo?"
Gao, então, veio em direção à reunião e ficou ali. E Yakusan disse a ele: "Ouvi dizer que Changan é muito barulhento." O lugar de onde ele estava vindo era um mercado, muito barulhento.
Gao disse: "Minha província é pacífica." Quando ele disse: "Minha província é muito pacífica", ele estava dizendo: "Meu território interior é muito pacífico. Não importa se o lugar do qual eu venho seja muito barulhento, o barulho é só externo. Dentro de mim, o espaço é muito pacífico."
Yakusan perguntou, como muita alegria: "Você ficou consciente disso lendo escrituras ou fazendo perguntas?" Ao que Gao respondeu: "Não aprendi isto lendo escrituras ou fazendo perguntas."
Yakusan falou: "Muitas pessoas não leem escrituras ou fazem perguntas, por que elas não alcançam isto?"
Gao disse: "Não digo que elas não alcançam isto, apenas que elas não concordam em se interessar por isso."
Por que não são muitas, as pessoas que se tornam Budas? Por que, se todo mundo é, intrinsecamente, um Buda? Isso é só porque você está muito ocupado com outras coisas. Talvez, a sede não tenha aparecido, talvez você esteja com medo de se tornar um Buda. Nesta multidão insana, tornar-se um Buda é assumir um grande risco.
Gao diz: "Eu não digo que eles não alcançam - apenas que eles não concordam em se interessar por isso."
O mestre ficou muito alegre. Embora o iniciante não tivesse entendido o que Yakusan lhe dissera cedo, mas ele deve ter meditado sobre isto, tentando encontrar o que o mestre estava dizendo. "Por que falhei ali?" Mas, com a noite chegando, ele era uma pessoa totalmente diferente.
Pela manhã, ele tinha vindo como um recém-chegado; ao final da tarde, ele tinha se tornado um discípulo antigo, um discípulo muito antigo. Suas respostas mostram uma tremenda transformação, em apenas um dia.
Isto pode acontecer em um minuto!
Isto pode acontecer em um segundo!
Isto pode acontecer em menos de um segundo!
É só uma questão de quão intenso é o seu esforço para alcançar o seu centro.
Ele deve ter sentido, profundamente, a tristeza de ter se deparado com um mestre e ter perdido a oportunidade, e ele deve ter se sentido totalmente estúpido porque ele tinha começado a argumentar com o mestre. Ele se purificou em apenas um dia, e no finalzinho da tarde, quando o mestre fez perguntas, ele era quase uma pessoa diferente. O mestre estava muito, muito alegre.
Tais buscadores são necessários no mundo. Estas são as pessoas que podem alcançar à altitude definitiva.
Eu sei que vocês estão aqui com uma intensa urgência, e esta urgência intensa me faz muito alegre. Sua primavera não está distante, logo vocês estarão cheios de florescimentos espirituais. Sua potencialidade chegará à sua realização. Você se verá como um Buda! Esta não é uma questão de acreditar. Eu sou absolutamente contrário à crenças. Eu sou um cientista do mundo subjetivo.
Da mesma forma que a ciência não permite a crença, mas somente a pesquisa, investigação no mundo objetivo, eu sou um cientista do mundo subjetivo. Eu não permito nenhuma crença, mas somente a pesquisa, a busca.
E se você tem a sede, não há nenhuma necessidade de esperar. Antes que o sol nasça a sua Iluminação pode estar completa.
OSHO - Yakusan: Straight to the point of Enlightenment – cap. 4
Tradução: Sw. Sambodh (Marcelo Innecco)
Tradução: Sw. Sambodh (Marcelo Innecco)
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Fonte: Instituto Osho