Você já se deu conta do quanto nos deixa felizes e renovados fazer algo que nos leva a esquecer do tempo?
Para viver em harmonia, precisamos ser orientados pelo tempo interior, conectado naturalmente com os ciclos do tempo exterior: o dia e a noite, e as quatro estações do ano. No entanto, estamos tão condicionados à necessidade de cumprir as expectativas do tempo imposto pelo relógio, que não nos permitimos mais ser naturais: tornamo-nos mecanizados pela força do tempo, que exige de nós cada vez mais tempo!
Exigência aqui surge como uma palavra de peso. Pois será o nosso nível de autoexigência que irá comandar a ordem das prioridades que daremos para o nosso tempo.
Por isso, o que faz sentido em nossa vida deveria ter um peso maior na balança de como distribuímos o tempo diariamente. Muitas vezes, sentimo-nos em falta com nossos propósitos justamente por não estarmos dedicando tempo suficiente a ações que geram energia para viver.
A sensação de estar perdendo tempo com alguma coisa, seja no trabalho ou num relacionamento, é um alerta de que estamos nos distanciando de nossos propósitos espirituais: o uso significativo do tempo. Se não reagirmos a este sinal, nos sentiremos cada vez mais vazios e desmotivados.
A questão é que estaremos sempre insatisfeitos enquanto vivermos apenas para satisfazer as expectativas externas que surgem em cada momento da vida. Isto é, usar o tempo apenas para sermos pessoas cada vez mais eficientes não garante a nossa felicidade. Para sentirmo-nos felizes, é preciso mais que eficiência. É preciso sentir que estamos crescendo interiormente.
Mas quem já não escutou o tic-tac da ansiedade soar em seu interior quando está sob a pressão do tempo do relógio? Se continuarmos a viver como bombas-relógio sob a pressão do tempo cronológico, vamos explodir de alguma maneira, seja por um ataque cardíaco, um aneurisma ou pressão alta.
É preciso aceitar os próprios limites e saber quando parar de se submeter às exigências e expectativas inflexíveis que nos impomos ou que nos são impostas para cumprirmos os deveres da vida! Nas situações que não podemos mudar, devemos nos esforçar para reavaliar nossas reações internas, pois o tempo interior é tão vasto quanto o espaço infinito. Ele chama-se kairos.
O tempo cronológico, linear e em sequência, que dita o ritmo de nossas vidas, chama-se cronos. Já kairos é uma antiga noção grega que se refere a um aspecto qualitativo do tempo. A palavra kairos, em grego, significa o momento certo. Sua correspondente em latim, momentum, refere-se ao instante, ocasião ou movimento, que deixa uma impressão forte e única por toda a vida.
Por isso, kairos refere-se a uma experiência temporal na qual percebemos o momento oportuno em relação à determinada ação: saber a hora certa de estar no lugar certo. Sempre que agimos sob o tempo kairos, as coisas costumam dar certo. Por exemplo, quando estamos quase desistindo de algo e resolvemos dar um tempo para a pressão, do nada surgem as pessoas certas que nos ajudam com soluções reais e práticas. Agir no tempo regido por kairos é similar a um ato mágico!
Kairos é o tempo oportuno, livre do peso de cargas passadas e sem ansiedade de anteceder o futuro. Ele se manifesta no presente, instante após instante.
Quando vivemos no tempo kairos, aumentam as oportunidades em nossa vida. Basta repensar como surgiram nossas melhores oportunidades: de certa forma, estávamos desprogramados das exigências do tempo cronológico.
Para os gregos, cronos representava o tempo que falta para a morte, um tempo que se consome a si mesmo. Por isso, seu oposto é kairos: momentos afortunados que transcendem as limitações impostas pelo medo da morte!
Na mitologia grega, Kairos é um deus muito pequeno, que se parece com um elfo. Ele é representado pela imagem de um jovem homem nu, de asas nos ombros e nos tornozelos, que corre num movimento de fuga segurando uma lança. Sua cabeça é calva e contém uma única mecha, que representa a marca de sorte de uma oportunidade: se não formos capazes de segurá-la no instante em que ocorre, ela escorrega pela calvície de Kairos...
Portanto, para vivermos sob a regência de kairos, precisamos ir além das convenções mundanas: saber seguir cada momento de acordo com a sintonia de nossas necessidades interiores. Isto não quer dizer que poderemos fazer o que quisermos na hora que bem entendermos, mas sim que devemos estar atentos para não deixar que os comandos exteriores ultrapassem os interiores.
Eu achava que não teria tempo para escrever este artigo, no entanto, foi o fato de pensar em kairos que me inspirou a fazê-lo! Com kairos, escolhemos o que fazer com nosso tempo; com cronos, somos levados apenas a cumprir ordens. Aqui vai a dica final: sempre que puder, tire o relógio do pulso!
Bel Cesar
Psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. Autora dos livros Viagem Interior ao Tibete, Morrer não se improvisa, O livro das Emoções, Mania de sofrer e recentemente O sutil desequilíbrio do estresse, todos pela editora Gaia.
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Email: belcesar@ajato.com.br
Fonte: Somos Todos Um