terça-feira, 6 de agosto de 2013

Revelando Nossa Sombra




Quando nos vemos obcecados pelos aspectos das sombras de outras pessoas, é porque elas também tocam as nossas.

Estamos acostumados a pensar que não podemos nos ver, a menos que seja no espelho — mas é verdade apenas em certo aspecto.

O fato é que podemos, sim, nos ver, e em cores, ao prestar aten­ção no que observamos em outras pessoas. Somos programados para projetar em outras pessoas as qualidades que não conse­guimos ver em nós. Não é algo ruim. Fazemos isso o tempo todo.




A projeção é um mecanismo de defesa involuntária do ego; em vez de reconhecer as qualidades que desgostamos em nós, as projetamos em outra pessoa. Projetamos nos pais, nos filhos, nos amigos, ou, até melhor, nas pessoas famosas que nem conhecemos.

Aquilo que julgamos ou condenamos em outro é uma parte rejeitada de nós mesmos. Quando estamos em meio à projeção, parece que estamos vendo a outra pes­soa, mas, na realidade, estamos vendo aspectos ocultos de nós mesmos.

Aqueles em quem projetamos deteem partes de uma obscuridade rejeitada, assim como partes de uma luz ignora­da. Simultaneamente temerosos de nossa indignidade como de nossa grandeza, inconscientemente transferimos essas ca­racterísticas para outra pessoa, em vez de tomar posse delas.

Você já experimentou o poder da projeção milhares de vezes em sua vida. Você entra em uma sala e subitamente se sente atraído por alguém. Começa a conversar e a pessoa passa a lhe contar coisas de que gosta e desgosta, que não combinam com as suas.

Subitamente, aquela pessoa lhe parece diferente — o transe da projeção foi rompido e você a vê sob uma luz totalmente diferente. Se um instante depois ela por acaso men­cionar que pode lhe arranjar ingressos para assistir ao jogo que você está louco para ver, ou se disser que conhece alguém que pode ajudá-lo em seu projeto, você pode novamente enxerga­da sob uma luz favorável, e ela pode parecer mais interessante.

Enfim, a conversa volta aos trilhos, mas no instante seguinte ela começa a dizer nomes e, quando subitamente ela o faz se lembrar de seu sogro esnobe, você fica repugnado. Na realidade, nada mudou naquela pessoa, exceto sua percepção sobre ela. Esse é o poder da projeção.

Se compreender esse fenômeno, entenderá por que pode amar alguém em um minuto e, no seguinte, achar a pessoa insuportavelmente irritante.A parte obscura de nós que repudiamos se apresenta continuamente, através da tela dos que estão ao nosso redor.

Tal­vez possamos ver nossa submissão na mãe, a ganância no pai, a preguiça no marido, a retidão nos políticos. A projeção soa assim: "Ela é tão egocêntrica". "Ele é tão cheio de si." "Mas que idiota." "Ele é um fracassado."

A projeção explica por que cin­co irmãos criados sob o mesmo teto dão diferentes relatos so­bre seus pais, atribuem-lhes um conjunto diferente de pontos fortes e fracos, lembram-se deles com características distintas.

Em geral, é difícil reconhecer o próprio comportamento ruim, porque estamos sempre projetando-o nos outros. Quan­to mais convencidos ficamos dos atos errôneos alheios, é pro­vável que mais sejamos culpados pelos mesmos erros. A. J., que trabalha no bar de um conhecido restaurante, seguia para casa depois de um longo dia de trabalho, na expectativa de ter uma noite calma com a família.

Após um pequeno trecho percor­rido de carro, ele subitamente ouviu um barulho atrás dele e ficou apavorado — era uma sirene. Conforme ele encostou, ten­tou se lembrar do que poderia ter feito, mas nada veio à mente. Ele abriu o vidro e o policial pediu sua habilitação.

Depois de entregar o documento, o policial se inclinou para a frente e perguntou:

— Rapaz, você andou bebendo?

A. J. respondeu:

— Não, senhor, eu estava no trabalho.

— Rapaz, acredito que você andou bebendo, e é melhor di­zer a verdade. Talvez tenha passado em algum lugar depois do trabalho? — perguntou o policial em tom sarcástico.

A. J., sentindo-se agitado e ligeiramente na defensiva, disse:

— Não, senhor, não andei bebendo. Na verdade, eu estava no bar, onde lhe servi drinques a tarde inteira.

O policial, obviamente estarrecido, devolveu a habilitação de A.J., entrou no carro de patrulha e foi embora.

Este é um exemplo perfeito de projeção. O policial, ligeiramente alegrinho, e talvez se sentindo um pouco culpado por ter tomado alguns drinques em horário de trabalho, voltou ao serviço de­pois de seu "intervalo", entrou no carro de patrulha e, incons­cientemente, começou a procurar por si mesmo.

As partes que tentamos evitar podem estar longe de nossa visão, porém, não importa — elas existem como parte de nosso campo energético. Os comportamentos e sentimentos com os quais não nos sentimos em paz sempre encontraram uma tela onde se projetar, e podemos ter certeza de que isso está acon­tecendo quando sentimos uma carga emocional na presença de outra pessoa.

Imagine possuir cem saídas elétricas em seu peito. Cada uma delas representa uma qualidade diferente. As qualidades que você reconhece e abraça estão vedadas. São seguras — não há corrente elétrica passando por elas.

Mas as qualidades com as quais você não se sente à vontade, aquelas que você não assume, essas, sim, têm corrente. Então, quando outras pessoas aparecem e refletem em você uma imagem do self indesejado, você se torna reativo.

Eis um exemplo: Uma vez, namorei um homem que acha­va ligeiramente rechonchudo, meio fora de forma. Após namorar por alguns meses, notei que, em qualquer lugar a que fôssemos, ele sempre apontava um cara acima do peso, barrigudo ou com as calças caindo.

Um dia, conforme caminháva­mos pelo aeroporto, a caminho de uma viagem romântica, ele apontou o dedo na direção de um homem que jamais veria novamente e comentou comigo:— Mas que relaxado. Por que você acha que esse cara não se cuida?

Finalmente não consegui ficar de boca fechada e juntei coragem para lhe dizer que estava apenas projetando as próprias preocupações com o peso em pobres homens gordos que ele nem conhecia. Sugeri que, em vez de ficar apontando os outros, ele deveria ir além.

Achei que ele tropeçaria na esca­da rolante ao olhar para a barriga estufada como se fosse pela primeira vez. O rosto dele murchou conforme se deu conta de que também carregava uma dúzia de quilos indesejados. Constrangido, timidamente me perguntou se de fato se parecia com os outros homens.

Temendo arruinar minha diversão do fim de semana, menti e disse que ele talvez não estivesse tão ruim quanto os outros, mas havia diversos lugares para onde poderia olhar quando estivéssemos em público, portanto, isso deveria significar que, até certo ponto, ele realmente queria assumir o próprio corpo e mudar a forma como se apresentava ao mundo, ou não estaria tão ligado nessa questão.

Havia literalmente centenas de outros pontos nos quais poderia ter se concentrado em relação às outras pessoas — cabelos, sorriso, belos olhos ou nariz grande. Mas não o fizera. Só ha­via reparado na barriga dos outros homens. Nossas projeções sempre nos chocam.

Quando estamos julgando alguém, nunca pensamos de fato sobre nós. Porém, uma vez que compreende­mos por que apontamos o dedo, podemos começar a nos des­vencilhar de nossas percepções e julgamentos vorazes a respeito dos outros. Precisamos lembrar o velho ditado: "Se você viu é porque também tem".

Se negarmos a raiva ou nos sentirmos desconfortáveis com ela, nossos olhos automaticamente buscarão pessoas zangadas. Se estamos secretamente mentindo ou nos julgando por termos mentido no passado, ficaremos aborrecidos com a desonesti­dade dos outros.

Em meus anos na liderança de workshops, já tive momentos bastante engraçados, quando as pessoas ficavam com raiva de mim por sugerir exatamente esse conceito de pro­jeção e por lhes dizer que elas também possuem as característi­cas que desgostam nos outros.

Um desses momentos favoritos foi quando uma linda espanhola disse que não tinha nada a ver com o pai, que não aprovava os homens com quem ela saía. Quando perguntei se ela sabia o motivo, ela respondeu que era por ele ser racista. Ela disse que só saía com homens asiáticos e ele não aprovava.

Quando brinquei, perguntando que tipo de espanhola só saía com homens asiáticos, a raiva desapareceu de seu rosto e ela disse timidamente: "Alguém que seja racista?" No mesmo instante, ela percebeu que estava sendo ligeiramen­te racista, assim como seu pai, porque jamais sairia com um homem de sua origem.

Outra mulher protestou, dizendo que não se parecia em nada com o pai, que vivia apontando seus erros. Ela me disse que ele estava sempre zangado, era hipócrita, cruel, crítico etc. Quando perguntei o que ela acabara de fazer, ali, durante a conversa, ela percebeu que havia demonstrado o mesmo tom de julgamento que via nele.

Em uma outra vez, um homem se levantou para contar o quanto detestava pessoas de mente fechada e como parecia estar cercado por gente assim no traba­lho e no próprio bairro. Então, um dia, seu filho adorado veio visitá-lo durante as férias da faculdade, e anunciou que era gay. O homem foi tomado pelo desgosto.

Quando a esposa tentou acalmá-lo, ele percebeu que era a pessoa de mente fechada que sempre desprezara, o que o levou ao workshop "Efeito Som­bra". Assumir as próprias projeções é uma experiência corajo­sa que o torna humilde, e pela qual todos temos de passar para encontrar a paz. Ela nos força a reconhecer que somos capazes de fazer coisas que frequentemente desgostamos nos outros.

Há muitos exemplos famosos de projeção. Eliot Spitzer, ex-governador de Nova York, passou a carreira tentando var­rer a prostituição, por achá-la absolutamente inaceitável, mas se envolveu em um escândalo com uma garota de programa.

O ex-porta-voz do governo, Newt Gingrich, que continua­mente apontava o dedo em crítica ao presidente Bill Clinton e era a favor de seu impeachment, por suas indiscrições se­xuais, mais tarde foi flagrado com um caso fora do casamen­to. O famoso pastor Ted Haggard, que falava fervorosamente contra a imoralidade e o homossexualismo, mais adiante foi descoberto num relacionamento gay, regado a drogas.

E o fenômeno do rádio, Rush Limbaugh, que em seu programa condenava abertamente os viciados em drogas, mais tarde admitiu a própria dependência a drogas prescritas. Eu poderia literalmente dar milhares de exemplos de pessoas que em público condenam os outros, menosprezando o comportamento que elas próprias têm.

Você acha que essas pessoas realmente têm a intenção de destruir a própria carreira, humilhando-se publicamente e envergonhando a família? Era realmente a intenção que tinham? Ou teriam sido, de fato, pegas de surpresa, ficando profundamente decepcionadas com o próprio comportamento? Será que ''o diabo me fez fazer" não seria na verdade a sombra disfarçada?

Como Shakespeare disse, brilhantemente: "A moça, de fato, protesta demais". Qualquer que seja a qualidade, o comportamento ou o sentimento, se nos pegamos veementemente em ne­gação, esteja certo de que isso é algo que abrigamos no fundo da psique. Não precisamos procurar muito para descobrir que, em geral, estamos fazendo exatamente o que criticamos nos outros.

A aparência pode ser completamente diferente; no entanto, a for­ça propulsora por trás de nosso comportamento é, de fato, a mes­ma. Às vezes, pode ser desafiador identificar essa força dentro de nós, porque talvez não estejamos demonstrando exatamente o mesmo comportamento que a pessoa em que estamos projetan­do está, mas o comportamento está ali, dentro de nós.

Quando temos uma característica sem que haja uma vedação para oculta­da (fazendo uma analogia com a imagem anterior, das múltiplas saídas elétricas), atraímos pessoas e incidentes a nossa vida, para nos ajudar a curar e integrar os aspectos negados.

Se abraçamos as qualidades que nos perturbam nos ou­tros, já não nos incomodaremos com elas. Talvez as notemos, mas elas não nos afetarão. Essas saídas elétricas terão vedações, portanto, não terão mais corrente. Somente quando estamos mentindo para nós e odiando algum aspecto que nos pertence é que nos tornamos emocionalmente pilhados pelo comportamento de outra pessoa.

O reverenciado filósofo e psicólogo Ken Wilber faz uma grande distinção. Ele diz que, quando uma pessoa ou algo do meio ambiente nos informa, e recebe­mos o que está acontecendo como informação, ou com inte­resse, provavelmente não estamos projetando. Se aquilo nos afeta, se estamos apontando o dedo em acusação e julgando, se estamos ligados àquilo, é provável que estejamos sendo víti­mas das próprias projeções.

Até recolhermos todas as partes que foram projetadas, qualquer coisa que nos recusemos a aceitar continuará a aparecer, ou em nosso comportamento ou no comportamento de alguém próximo. Quando não lidamos com a sombra, ela afeta nossos relacionamentos de forma negativa.

Ela nos furta a presença da dádiva daqueles ao redor, pois erguemos um muro defensivo de julgamento, que nos priva de ver quem realmente os outros são. Isso nos distrai do relacionamento como um todo e, em vez disso, força nosso olhar e atenção para aquilo que acreditamos ser errado sobre os outros.

O comportamento de Pilar é um exemplo perfeito do fenômeno de projeção. Uma mulher com quarenta e poucos anos que se orgulha de ser boa filha. Pilar fica constantemente aborrecida porque o pai junta tralha. Todo domingo, ao che­gar à casa dele para visitá-lo, ela começa a se sentir ansiosa e irritada.

Quando entra na sala, em vez de passar a tarde numa conversa agradável de pai e filha, começa a brigar com ele por causa dos jornais espalhados no chão e das dezenas de quin­quilharias espalhadas pela sala. Frustrada, Pilar dá início a uma conversa depreciativa, na qual frisa o desleixo dele.

Em tal atmosfera de julgamento, os dois se sentem tristes, e as visi­tas acabam sendo monótonas e desgastantes. Pilar sempre vai embora se sentindo mal consigo mesma, e o pai secretamente deseja que ela deixe de visitá-lo, embora seja gentil e solitário demais para confessar.

Um dia, enquanto trabalhava no escritório de casa, que compartilha com o marido, Emilio, Pilar percebeu algo sobre si própria. Emilio perguntou se ela poderia esvaziar uma das gavetas para que ele tivesse mais espaço para seus papéis. Irritada, ela rapidamente respondeu que precisava de seis das oito gavetas para todos os documentos, e que ele poderia alugar um guarda-volumes se precisasse de mais espaço.

Abor­recido diante da incapacidade dela de compartilhar, Emilio começou a escancarar as portas dos armários, uma após a outra, revelando centenas de pastas abarrotadas de jornais e recortes de revistas. Ela ouviu Emilio resmungando, embora não estive mais prestando atenção ao que ele dizia. E ficou estarrecida.

Ali estava, diante de seus olhos, o mau hábito do pai. Ela pôde ver que, para Emilio, todos aqueles recortes eram um monte de lixo inútil. Ela guardava alguns, entre eles cupons de desconto, desde a época da faculdade - vinte anos atrás!

Subitamente, ao trazer a mente de volta à sala onde o ma­rido ainda argumentava que ela não precisava nem de metade das gavetas, ela começou a rir alto. Em apenas alguns minutos, passou do mal-estar da exposição de sua sombra à sensação de libertação do transe da projeção.

Ela descobriu que apresentava a mesma característica do pai, embora a dela estivesse escondida nas gavetas fechadas do armário. Encarou o fato de também ser uma acumuladora de tralha e pediu ajuda ao ma­rido para limpar tudo e jogar fora os recortes, pois seria difícil fazê-lo sozinha.

Ela adorava todos os seus pedaços de papel, exatamente como o pai amava os dele. Dias depois, quando Emilio ganhou três gavetas, Pilar de­cidiu compartilhar a história com o pai e pedir que ele a perdoas­se por seu tom de julgamento. Pai e filha deram boas risadas e se abraçaram, algo que sempre faziam como um cumprimento rotineiro, mas nunca como expressão autêntica de amor e respei­to.

A própria admissão da culpa abriu um relacionamento novo de amor e respeito entre Pilar e o pai, o que permitiu que ele, pouco a pouco, se desprendesse do passado. Ele chegou a deixar que ela o ajudasse a encher alguns sacos de lixo, todo domingo.

E aqui está o mais empolgante. Quando você entende a projeção, jamais verá o mundo da mesma maneira. Neste mundo holográfico, tudo é um espelho, e você está sempre se vendo e falando consigo mesmo. Se você escolher, pode olhar agora para o que o afeta emocionalmente como um alarme, uma pista para desvendar sua sombra, um catalisador para o crescimento que lhe dá a oportunidade de recuperar um aspecto oculto de si mesmo.

Cada sombra que abraçar lhe permitirá experimentar mais amor, mais compaixão, mais paz e um senso maior de liberdade. E ainda tem mais notícias boas quanto a assumir as pro­jeções. Ao fazermos isso, as pessoas que compartilham nos­sa experiência de vida têm mais liberdade e uma chance de modificar seu comportamento.

Quando rejeitamos características, comportamentos e sentimentos, atribuindo-os a outras pessoas, esse traços parecem, de fato, existir nos outros, não em nós. Porém, de vez em quando, vejo que, quando as pes­soas despertam de seu transe de projeção, aqueles em quem estiveram projetando também mudam — tornam-se livres para se mostrar de forma diferente.

Quando podemos vê-las como são, libertando-as de julgamentos e percepções nebulosas, sur­ge uma nova realidade. Acabamos por chegar a um lugar onde podemos revelar, assumir e abraçar todas as características que existem, de modo a não ser mais preciso projetar nos outros nossos aspectos rejeitados.

Assim ficamos livres para ver as pessoas através de uma ampla lente de compaixão, em vez da lente de projeção. É quando estaremos livres para amar não apenas a nós mesmos, mas todos os que estão no mundo. É também quando experimentaremos a liberdade.

Debbie Ford




 Fonte: Extraído do Livro "O Efeito Sombra"

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