sexta-feira, 6 de junho de 2014

Palestra: O sol é novo a cada dia

Este universo que é o mesmo para todos, não foi feito por nenhum Deus ou Homem, mas sempre existiu, existe e existirá — um fogo eternamente vivo, que acende a si próprio por medidas regulares e se apaga por medidas regulares. As fases do fogo são o desejo e a saciedade. O sol é novo a cada dia.

Não há nenhum Deus como criador separado do mundo, e não pode haver — porque a criação, o criador e a criatividade são a mesma coisa, não estão separados. A existência é uma só — como podem então o criador e a criatura estarem separados? A existência em si é divina. Não existe nenhum criador que a esteja criando. Ela mesma é a criadora. Ela mesma é a criatividade.

Heráclito é um não-dualista. Todos os que conhecem acabam sabendo que essa dualidade existe por causa da mente, porque a mente não pode ver o um, só pode ver o dois. No momento em que percebe qualquer coisa, ela divide. Com a mente, o outro é necessário. Se ela vê a criação, pensa imediatamente no criador, pois "Como a criação é possível sem um criador?"

Mas se com essa mente você encontra o criador, então novamente ela achará que deve haver algum outro criador — "do contrário, como este criador poderia existir?"A mente é uma regressão infinita. Está sempre dividindo. É por isso que a mente jamais alcança qualquer estado conclusivo. A filosofia crê na mente; é por isso também que a filosofia nunca chega a uma conclusão. É preciso ver a totalidade sem que a mente interfira, pois a mente é o fator de dualidade: ela divide.

A divisão é a natureza da mente. Se você diz 'dia', ela imediatamente introduz noite, pois 'como pode haver dia sem noite?' Se você diz 'amor', a mente introduz o ódio: "Como pode haver amor sem ódio?" Se você traz a vida, a mente traz a morte: "Como pode haver vida sem morte?" Mas a vida e a morte são uma só — um só fenômeno, uma só energia.

A vida é a manifestação dessa energia, e a morte é um novo relaxamento. Vida é chegar a uma forma, e morte é mover-se outra vez para a não-forma. O fim e o princípio se encontram. A vida não está separada da morte; a morte não está separada da vida — encontram-se e fundem-se. Até mesmo dizer que elas se 'encontram' não está certo, posto que porque a mente imediatamente diz: "Se há um encontro, então deve haver dois". Não é um encontro. É um fenômeno.

Heráclito diz 'desejo e saciedade' — são dois. Você sente fome, come e sente-se satisfeito. Já observou que a fome e a saciedade são uma só? Têm de ser uma só, porque a mesma coisa, o alimento muda ambas. O alimento torna-se uma ponte entre a fome e a saciedade, o desejo e a ausência de desejo. Se estivessem realmente separadas, separadas, não poderiam ser ligadas. Se fossem realmente diferentes, não haveria qualquer possibilidade de uma ponte. Então a fome permaneceria fome e a saciedade permaneceria saciedade. Onde se encontrariam? E como se encontrariam? Mas elas se encontram.

A mente pensa que a fome é contra a saciedade. Tente entender isso. Vá um pouco mais a fundo. A mente diz que a fome é diferente da saciedade; mas quando você está satisfeito, um novo ciclo começa, o qual trará fome; e quando você sente fome, um novo ciclo se inicia, o qual trará saciedade. São dois ou apenas um único fenômeno? Quando você come, a fome desaparece, mas no momento em que a fome desaparece um novo ciclo se inicia.

A nova manhã é o começo da noite. O novo nascimento é o início da morte. Mas você não pode ver tão longe. Toda manhã você sente fome, come e sente-se satisfeito. À noite está de novo com fome, então você come e sente-se saciado — mas jamais vê que as duas coisas são uma só. Uma contribui para trazer a outra. Se você nunca tem fome, como pode se sentir satisfeito? Existe alguma possibilidade de saciar-se se você nunca sente fome?

Se você nunca tem fome, não pense que está num estado de saciedade — a saciedade não acontece sem a fome. Se não houver manhã, não pense que haverá uma eterna noite —não haverá nenhuma noite. E se não houver morte, não pense que haverá vida eterna — não haverá vida alguma . porque a morte cria a situação, estabelece um fenômeno de energia. Toda vida traz a morte, toda morte traz de novo a vida.

Para a mente, elas parecem ser duas porque a mente não pode ver através dos opostos. Quando você não vê pela mente, do ponto de vista lógico, quando olha simplesmente para dentro do fenómeno em si, olha para a sua totalidade, os dois desaparecem e um só permanece.

É o que acontece com Deus como criador e o universo como criação. Não só as pessoas comuns são enganadas pela mente — os grandes teólogos também são enganados por ela. Eles também dizem: "Deus criou o mundo." Essa afirmação é imatura, é infantil. Ninguém criou a existência — ela é. Está simplesmente aí! Porque se você introduz a criação surgem então milhares de problemas.

E é por isso que os teólogos levantam mais problemas e nenhuma solução. Eles criam uma teoria, uma hipótese para solucionar vários problemas — e nada é solucionado. Pelo contrário, surgem em torno da hipótese novas questões. Eles tentaram solucionar o problema da existência introduzindo Deus, Deus a teria criado, então criaram milhares de problemas. E não foram capazes de solucioná-los.

Uma vez que você começa por uma linha errada, estará sempre perdendo, pois uma coisa leva à outra. E há uma relação: se uma coisa estiver errada, levará a uma outra proposição errada. A menos que você comece desde o início em direção à verdade, jamais chegará— pois o início é o fim.

A teologia introduz Deus para solucionar alguns problemas; porque existem problemas: "Quem criou o mundo?" Surge a curiosidade: "Um fenômeno tão belo! — quem o criou?" A mente sente uma coceira — isso deve ter uma resposta. "Quem criou?" Mas a primeira coisa a perguntar é se a pergunta está certa. Nunca levante uma questão sem antes perguntar: "Esta questão é relevante?" E qual é o critério para saber se uma questão é relevante? O critério é que se a questão for de tal forma que, seja qual for a resposta dada, ela possa ser feita novamente —então ela é irrelevante, não é correta.

Você pergunta: "Quem criou o mundo?" Alguém diz: "Deus!" Pode-se fazer a mesma pergunta novamente: "Quem criou Deus?" A pergunta não muda, nem um pouco.A mesma questão continua sendo relevante. Então alguém diz: "Deus A criou o mundo", e você pergunta: "Quem criou o Deus A?" A pessoa responde: "O Deus B", e então você pergunta: "Quem criou o Deus B?" E a resposta é: "Foi o Deus C quem criou o Deus B" — mas a pergunta continua a mesma de modo que todas as respostas são falsas.

Se a questão não está mudando nem um pouquinho, então você não está absolutamente progredindo em direção à verdade. E se todas as respostas a uma dada pergunta são falsas, então, por favor, medite novamente sobre a pergunta. A questão deve estar basicamente errada; senão, como poderiam estar erradas as respostas? Pelo menos uma resposta tem de estar certa — mas nenhuma resposta provou ser verdadeira.

Os hindus, os muçulmanos, os cristãos, todos têm apresentado respostas, mas a pergunta permanece. Milhares de anos trabalhando sobre a questão 'Quem criou o mundo?' e não houve nenhuma resposta que satisfizesse. Isso significa que na própria base, desde o princípio, você tomou a linha errada de pesquisa, uma atitude errada —desde o princípio.

Então, a primeira coisa quanto a uma pergunta é questionar a própria pergunta, se ela é relevante. Esta questão é irrelevante: "Quem criou a existência?" — por muitas razões. Porque, então, é possível perguntar: "Por que Ele a criou? Qual foi a necessidade? Por que Ele não pôde viver sem criá-la? Que desejo se apoderou Dele? E se Deus criou este universo, por que tanta miséria, tantos sofrimentos e sofrimentos que não podem ser avaliados? Uma criança nasce aleijada, cega, doente — porque?

Se Deus é o criador não pode Ele corrigir o padrão do mundo? Ou o seu Deus é um pouco neurótico? Gosta do sofrimento? É um sádico? Gosta de torturar? Milhares de pessoas morrendo numa guerra? Sendo mortas, atiradas ao fogo e às câmaras de gás? Ele é o criador e simplesmente não se preocupa! Não pode nem fazer parar um Hitler matando milhões de judeus — desnecessariamente, sem razão nenhuma.

Que tipo de criador é esse? Se Deus criou o mundo, então Ele deve ser um Demônio, pois o mundo não parece ser muito bom. Não parece ter surgido do bem, parece incoerente com o que é bom. Deus significa 'bondade', e este mundo não mostra qualquer sinal de bondade — exploração, violência, guerra, matanças, misérias, angústia, tensão, loucura. Para que foi tecida esta criação? E se Deus é responsável, então Ele é o maior criminoso..."

Esses problemas surgem e os teólogos não podem resolvê-los. Então têm de criar mais teorias falsas. Eles dizem que há também um Demônio, e que isso é um trabalho do Demônio. Mas caem em suas próprias armadilhas. Primeiro, eles criam Deus, dizem que Deus criou o mundo, depois inventam o Demônio porque não podem explicar o mundo pela bondade.

O mundo parece tão mal que eles precisam inventar um Demônio. Surge então a questão: "Quem criou o Demônio?" E assim por diante. E eles se dedicam a um esforço árido, que não os leva a lugar algum. Ninguém lê os seus grandes volumes sobre teologia — ninguém! Porque se você começa, não chega a lugar nenhum, mas eles continuam. Parecem um gramofone quebrado: vão repetindo a mesma coisa; você vai fazendo as mesmas perguntas e eles o vão rodeando.

A teologia é como o tatear do bastão de um cego. Nem um só problema é resolvido. A teologia é o esforço mais inútil que o homem já empreendeu. E ela começa com: "Deus criou o mundo."

Homens como Heráclito, Gautama Buda, Lao Tsé ou Zaratustra não falam dessas coisas. Dizem simplesmente: "A existência é Deus. Ninguém a criou. Não existe um criador que seja responsável por ela, portanto não levante questões desnecessárias. E não perca seu tempo com respostas desnecessárias." A existência é — e Deus não está separado dela. Deus é a existência, a totalidade, não um ser separado, uma pessoa —a totalidade. Ela vem dela mesma... e se dissolve.

Heráclito diz: ela é o fogo. O fogo é um belo símbolo. Dá a você uma energia muito dinâmica, indica que a existência é uma energia dinâmica, dialética — move-se por si mesma. Quando você diz 'energia', isso significa algo. Quando você diz 'Deus', moveu-se para dentro de algo que não levará a lugar nenhum. A energia é verdadeira. Você pode senti-la aqui e agora: você é energia, os pássaros cantando nas árvores são energia, as árvores crescendo para o céu são energia; as estrelas se movendo, o sol erguendo-se diariamente — tudo é energia.

E a energia não é boa nem má. A energia é sempre neutra. Assim, não há necessidade de criar nenhum Demônio, não há necessidade de explicar nada— a energia é neutra.

Se você é miserável é por sua causa, não por causa de Deus ou do Demônio. Se você é miserável, está se comportando com a energia de forma errada. Será feliz e cheio de graça se se mover com a energia. Quando você se move contra ela, o responsável é você. Lembre-se: se não existe nenhum Deus então você é responsável por tudo o que acontece. E se você é responsável então há uma possibilidade de se transformar a si mesmo.

Se Deus é responsável, então como alguém pode se transformar a si mesmo?Deus parece ser um truque da mente para jogar a responsabilidade sobre os outros, pois a mente está sempre fazendo isso. Seja o que for que aconteça, você sempre joga a responsabilidade em alguém. Se está com raiva, alguém o insultou — e esse alguém provocou a raiva. Se está triste, alguém o está deixando triste e infeliz. Se está frustrado, alguém está bloqueando o seu caminho. Sempre alguma outra pessoa é responsável, nunca você.

Esta é a atitude da mente: responsabilizar alguma outra pessoa. Então você se livra da responsabilidade. Mas... é por isso que você é miserável. A responsabilidade é sua. E se você a toma como sua, pode fazer alguma coisa a respeito. Se for de outra pessoa qualquer — o que se pode fazer? Se são os outros que provocam a tristeza, você permanecerá sempre triste porque não nada pode fazer a respeito.

Milhares de pessoas estão à sua volta. Se são os outros que o deixam frustrado, nada pode ser feito. Você permanecerá frustrado, esse é o seu destino — pois como se pode mudar os outros? Se você é responsável — imediatamente torna-se o senhor, Agora pode fazer alguma coisa. Pode mudar a si mesmo, pode mudar as suas atitudes. Pode olhar para o mundo com uma atitude diferente, pode sentir que, se está miserável, em algum lugar não está ajustado ao sistema total de energia.

É isto o que significa pecado: estar desajustado, sem saber se mover nesse sistema total de energia. E o sistema de energia é neutro. Se você o obedecer, será feliz. Se não o obedecer, será miserável. Esse é o Logos, o Rit, o Tao.

Por exemplo: se você está sentindo sede e não bebe água, sente-se miserável, pois nesse sistema de energia a água lhe dá saciedade, e a sede desaparece. Se está sentindo frio, você vai para perto do fogo, pois nesse sistema de energia o fogo é a fonte de todo calor, de aquecimento. Mas se ao sentir frio você se afasta do fogo, então se sentirá miserável. Ninguém é responsável. Se ao sentir sede, calor, você se aproximar do fogo, estará no inferno!

Ouvi contar que um homem, um grande pecador, morreu. Todos sabiam que ele ia para o inferno. Era certo. Era óbvio. Não havia o que questionar. E quando o enterro —ele era um grande pecador, mas era também um grande líder, um homem muito rico, pois o pecado traz muito sucesso, vale a pena deste mundo, daí milhares de pessoas o acompanhavam, todas elas certas de que o homem ia para o inferno, mas mesmo assim ele era um homem poderoso — quando o enterro estava se dirigindo para o cemitério, um caminhão carregado de carvão, acidentalmente, entrou na rua e começou a seguir o féretro.

Por coincidência, o caminho do caminhão era o mesmo do féretro. Mulla Nasrudin, um dos presentes, exclamou: "Eu tinha absoluta certeza de que esse homem ia para o inferno — mas não podia imaginar que ele havia providenciado o seu próprio carvão!"

O inferno é quente, é fogo. Mas eu lhe digo: você está providenciando o seu próprio carvão.É assim que as coisas são. Se você for contra a natureza, será miserável. Miséria significa mover-se contra a natureza; e a miséria é uma boa indicação —se você entender. Ela mostra que em algum ponto você está errado, só isso. Coloque as coisas no lugar! A miséria é um auxilio. A angústia, a ansiedade, a tensão, indicam que em algum lugar alguma coisa está errada. Você está com o total. Em algum lugar você começou um movimento seu, privado —por isso está na miséria.

Heráclito diz: A inteligência privada é falsa. A inteligência está com o Todo. Não seja esperto demais. Você não pode ser inteligente por si mesmo. Se você se mover com a Existência, será inteligente, terá uma clareza de percepção, será sábio. Se você se mover por si mesmo, será um tolo.

Um idiota é uma pessoa que está completamente fechada em si mesma, está enterrada. Não tem contato com o sistema total de energia. Essa é a sua idiotice. E um homem sábio é aquele que não está fechado de modo algum — o ar flui através dele, o cosmo flui através dele. Ele não tem barreiras, não tem portas fechadas. Não tem nenhuma privacidade de ser. É poroso. E sempre que ele se sente miserável, imediatamente se acerta, imediatamente percebe a indicação. É um sintoma!

É como a doença: quando você não está se comportando naturalmente com o seu corpo, alguma doença irrompe. A doença é amiga. Ela mostra: "Comporte-se, mude essas maneiras! Em algum lugar você está indo contra a natureza." Se você não come durante dois ou três dias, sentirá tonturas, fome, tristeza. O corpo inteiro está dizendo: "Coma!", pois o corpo precisa de energia.

Lembre-se sempre: a energia é neutra, portanto, toda a qualidade do seu ser depende de você. Você pode ser feliz, pode ser infeliz — depende de você. Ninguém é responsável.

Quando sentir fome, coma. Quando sentir sede, beba. Quando sentir sono, durma. Não force a natureza.Você pode forçá-la por algum tempo, porque existe essa liberdade. Se quiser jejuar, poderá fazê-lo por alguns dias, mas se sentirá cada dia mais fraco, cada dia mais miserável. Se não quiser respirar, você pode parar de respirar por alguns segundos, mas só por alguns segundos — essa liberdade é possível. Mas não é muita coisa, logo você sentirá um choque, uma sensação de morte se não respirar bem.

Todas as misérias existem para indicar que em algum ponto você está errado, saiu da trilha. Volte imediatamente! Se você começar a ouvir o corpo, a ouvir a natureza, ouvir o ser interior, será cada vez mais feliz. Torne-se um bom ouvinte da natureza. Ouça o Logos. Ouça aqueles que despertaram para o Logos e você os achará naturais. Eles não forçam nada, não empurram o rio, simplesmente fluem com ele — e por isso estão cheios de graça.

Não há nenhum Deus que seja responsável.

Nós criamos Deus a partir do nosso próprio medo, necessidade e desejo. Sentimo-nos tão impotentes em nossas misérias, tão impossibilitados, tão desamparados em nossa dor, que por medo criamos um Deus a quem possamos rezar, a quem possamos dizer: "Não me dê tantos problemas"; a quem possamos venerar e sentir que se nós o venerarmos, cada vez mais ele será favorável a nós.

Você acha que Deus pode ser preconceituoso? Você acha que Ele ficará do seu lado só por rezar? Que se você não rezar então ele não estará do seu lado?

Uma criança aprendeu com seus pais: "Se você não se comportar bem, Deus o punirá." No passado, a criança era sempre posta no bom caminho. Se não se comportasse bem ou se fizesse alguma coisa que os pais não achassem boa, eles usavam este truque: "Deus punirá você; ficará zangado", e isso sempre funcionava. Mas dessa vez a criança riu e disse: "Não estou preocupado com Deus, Ele não me conhece!"

Os pais disseram: "Isso é novidade! Você nunca disse isso antes. Como ficou sabendo que Ele não o conhece?"

A criança disse: "Durante duas semanas não rezei e não aconteceu nada. Assim, ou Ele pensa que estou morto, ou se esqueceu completamente de mim. Não tenho mais com quê me preocupar. Agora estou livre! Foram duas semanas e não houve nenhuma indicação..."

Nós criamos Deus a partir das nossas necessidades. Deus não o criou. Você é que criou Deus. É uma necessidade sua porque é impotente. E então projeta Nele tudo o que você deixou passar. Se você é impotente, diz que Ele é onipotente. Se você é ignorante,diz que Ele sabe tudo. Se está cego e tateia na escuridão, você diz que Ele é onisciente. Isso é um truque da mente. Tudo que você perde em si mesmo, projeta Nele, e então pensa que o equilíbrio foi recuperado: "Agora posso rezar a esse Ser onipotente, onisciente e onipresente, e Ele me ajudará."

São truques. Você só pode ser ajudado por si mesmo. É claro que a natureza estará com você se você estiver com a natureza. Nenhuma outra prece funcionará. Essa é a única prece.

Para mim, orar é sentir, é fluir com a natureza. Se você quiser falar, fale, mas lembre-se, o que você disser não irá afetar a existência. Afetará você, e isso pode ser bom, mas rezar não irá mudar a mente de Deus. Poderá mudá-lo, mas se não o estiver mudando é um truque. Você pode rezar durante anos, mas se isso não o mudar, esqueça, jogue fora, é lixo; não continue mais.

A prece não vai mudar Deus. Você sempre acha que se rezar, a mente de Deus mudará. Ele será mais favorável. Ele dará um empurrãozinho para o seu lado.

Não há ninguém ouvindo você. Esse vasto céu não pode ouvir. Esse vasto céu pode estar com você se você estiver com ele —não existe outra maneira de rezar.

Eu também sugiro que se ore, mas orar precisa ser um fenômeno de energia; não um fenômeno devoto a Deus, mas um fenômeno de energia. Torne-se simplesmente silencioso, simplesmente abra-se. Levante as mãos para o céu, as palmas voltadas para cima, sentindo a existência fluindo através de você.

Conforme a energia, ou prana, flui pelos seus braços, você sentirá um suave tremor — como uma folha na brisa, tremendo. Permita, colabore. Então deixe todo o seu corpo vibrar com a energia, deixe acontecer tudo o que estiver acontecendo. Você sentirá novamente um fluxo com a terra. Terra e céu, alto e baixo, yin yang, macho e fêmea — flua, dilua-se, abandone-se completamente. Você não está. Torne-se um... imerja.

Depois de mais dois minutos, ou sempre que se sentir preenchido, curve-se para a terra e beije-a. Torne-se simplesmente um veículo, permitindo que a energia do divino una-se à da terra. Esses dois estágios devem ser repetidos seis vezes para que cada um dos chakras seja desbloqueado. Pode-se fazer mais vezes, mas se fizer menos você se sentirá inquieto e não conseguirá dormir.É melhor fazer essa prece à noite, no quarto escuro, e imediatamente depois deitar para dormir; ela pode ser feita pela manhã, mas então precisa ser seguida por quinze minutos de repouso. O repouso é necessário, ou você se sentirá como bêbado, um torpor.

A prece é esse imergir na energia. Ela o muda. E quando você muda, toda a existência muda — porque com a sua atitude, toda a existência muda para você. Não que a existência esteja mudando — ela permanece a mesma — mas agora você está fluindo com ela, não há nenhum antagonismo. Não há nenhuma luta, nenhuma disputa —você se rende a ela. Fora isso, tudo o mais são truques. E o homem os vai inventando.

Ouvi contar que isso aconteceu: um rabino chegou com seu cavalo a uma aldeia. Ia para uma outra cidade qualquer. Estava muito cansado, queria repousar um pouco e entrou numa hospedaria, deixando seu cavalo sob um árvore com algum capim para que comesse e também descansasse. Mulla Nasrudin estava sentado sob uma outra árvore, bêbado. O cavalo era bonito. Ele se aproximou para olhar. Quando atrás perto do cavalo passou um homem, um comerciante de cavalo. O cavalo era uma coisa rara, realmente belo.

Perguntou a Nasrudin: "O cavalo é seu?"

Bêbado, ou pensando que seria muito bom se o cavalo fosse dele, Nasrudin respondeu: "Sim".

Mas uma coisa leva a outra. O homem perguntou: "Gostaria de comprá-lo. Quanto você quer por ele?"

Nasrudin se viu em apuros. Resolveu pedir um preço simplesmente absurdo para que não tivesse nenhum problema. Disse: "Duas mil rúpias."

O cavalo não valia mais do que quinhentas rúpias, assim ninguém iria pagar duas mil e isso encerraria o assunto. Mas aconteceu que o homem disse: "Está bem, tome as duas mil rúpias."

Agora ele estava em dificuldade. Mas duas mil rúpias. Pensou então: "O rabino está lá dentro e não sabe de nada — por que não pegar esse dinheiro? Não há ninguém olhando, e não há nenhum problema."

Logo que o cavalo se foi, o rabino saiu. Nasrudin não sabia o que fazer — tinha duas mil rúpias e estava tão bêbado que nem correr podia. Começou a trabalhar então a sua mente; encontrou a solução. Pôs-se de quatro como se fosse um cavalo e agarrou com os dentes um pouco de capim. O rabino não podia acreditar no que estava acontecendo.

Disse: "O que está fazendo? Está louco?"

Nasrudin disse: "Antes ouça a minha estória."

Agora sua mente trabalhava rápido — ele havia se tornado um teólogo: ele planejava uma resposta, depois outra pergunta, e então caiu na sua própria armadilha.

Disse: "Há vinte anos atrás eu era jovem e pequei com uma mulher. E o que fez Deus? Ficou tão zangado que me puniu, transformando-me num cavalo — no seu cavalo, rabino. Durante vinte anos o servi, mas parece que agora a punição acabou e de novo recuperei a humanidade."

O próprio rabino começou a tremer, vendo que um pecador havia sido punido — e quem não peca? O próprio rabino pecava com muitas mulheres, e começou a tremer diante do fenômeno. Caiu de joelhos e começou a rezar. Mas havia então um problema prático a ser resolvido. Disse: "Tudo bem. Mas preciso ir à cidade, o que faço?"

Nasrudin sugeriu: "O mercado não é muito longe. Você pode comprar um cavalo."

O rabino foi ao mercado —e lá estava o seu cavalo com o comerciante! Começou a tremer outra vez. Chegou perto do cavalo, perto do ouvido dele, e disse: "O quê, Nasrudin! Assim tão rápido?"

E a mente continua sempre e sempre — usando truques, criando um deus, depois rezando, sendo punida, mandada para o céu ou para o inferno, e tudo não passa de imaginação. Não há nenhum deus, nenhum céu, nenhum inferno — só existe você e a existência, a energia, a energia infinita. Se você está com ela, ela está com você...Esse é o estado de um Buda, de um Heráclito: totalmente com o todo. Sem nenhum problema.

Na verdade, ele não está presente para criar problemas. Há então uma graça — quando você não está, a graça está. Caso contrário, se você está lutando contra, se está se afastando, fazendo as coisas por conta própria, pela sua inteligência pessoal, está se comportando como uma ilha, então terá problemas. Sejam quais forem as explicações e as racionalizações que você crie, são fúteis, não passam de imaginação.

Todas as suas igrejas, templos e mesquitas existem pela fértil imaginação do homem. Todos os seus deuses e estátuas, todas as suas preces são criações da sua imaginação. E você os criou porque se sente miserável. Isso não ajudará. Os seus templos,as suas mesquitas e igrejas — não! Os seus padres, papas e rabinos — não! Eles não ajudam. Estão explorando a sua imaginação. E isso é um bom negócio.

Você tem que parar de imaginar. Tem que sentir que a miséria vem quando você sai de sintonia com a natureza, e a felicidade vem quando você não está fora do compasso. Estar no inferno é estar fora de compasso com o Logos. Estar no céu é estar em sintonia com o Logos. E essa é a harmonia oculta. Você pode encontrá-la e ser feliz. Se não puder encontrá-la, você será miserável —mais ninguém é responsável.

Você tem que buscar e encontrar. Não há nenhum Deus, mas todos são divinos. Toda a existência é divina, mas não existe Deus. Portanto, não perca seu tempo e não procure lá em cima alguém que o ajude. A ajuda virá, mas ninguém vai dá-la a você—você tem de tomá-la. Mas isso parece árduo, difícil, pois para isso você tem de mudar a si mesmo. Estar em sintonia com a natureza exige transformações radicais. Para evitar essa transformação radical, você cria todos os tipos de explicações.

Tente agora entrar nestas belas linhas.

Este universo,

que é o mesmo para todos,

não foi feito por nenhum deus ou homem, mas sempre

existiu, existe e existirá —um fogo eternamente vivo,

que acende a si próprio por medidas regulares e se

apaga por medidas regulares.

Evolução e involução; as coisas chegam a um pico, depois desaparecem num vale; as ondas se erguem para tocar o céu, depois voltam para as profundezas do oceano — em medidas regulares.

Heráclito diz: o mundo é energia, a existência é fogo. Em medidas regulares ela se manifesta e depois se apaga. Assim como o dia e a noite: durante o dia você trabalha, desperta, e à noite você descansa. Assim, há períodos em que a existência está no dia, e há períodos em que a existência move-se na noite... criação e não criação, evolução e involução, dia e noite, verão e inverno, vida e morte.

Este é um período de criação. Logo haverá um de destruição. Os hindus chamam a isso de palaya, quando tudo desaparece. Os hindus criaram para isso uma bela teoria — Heráclito teria concordado com ela. Os hindus dizem que Brahma, o criador, tem seu próprio dia, um dia de vinte e quatro horas, um ciclo de vinte e quatro horas: doze horas dia e doze horas noite. O dia de doze horas é criação nossa — milhares e milhares de anos, eras e eras. Depois vem a noite de Brahma, então tudo desaparece, dorme, repousa — cansado, é claro. Para se rejuvenescer, para voltar, tudo retorna à não-existência.

A existência é o dia, a existência desaparece, a energia repousa. Após o repouso o dia novamente vem, o sol nasce; as coisas aparecem outra vez, tudo recomeça. É um círculo. Metade do círculo é de manifestação e metade é de não-manifestação. Assim como uma árvore cresce, cresce, cresce e depois morre — mas não morre completamente: ela se recolhe nas sementes, torna-se não-manifesta, move-se para o sutil. As sementes caem no solo, a árvore desaparece, mas na estação certa as sementes de novo brotarão e a árvore inteira estará presente outra vez.

E isso acontece — não porque exista alguém que controle, um deus ou um homem, ou alguma coisa — não há ninguém. A própria energia é suficiente. Não precisa nenhum controle. Não precisa que haja ninguém. A energia tem sua própria disciplina intrínseca. E isso parece estar exatamente correto, pois se você observar, sentirá como acontece. Se sente fome, você come é a fome desaparece. Para onde foi a fome? Tornou-se não manifesta, moveu-se para a semente, para o sutil. Não está na periferia; voltou outra vez para o centro.

Depois de algumas horas você sente fome novamente, a fome volta. Você come e a fome desaparece. Para onde vai? Se ela desaparecesse completamente, não poderia voltar. E ela volta nova e novamente —na mesma medida.

Durante o dia você está acordado. Para onde foi o sono? Moveu-se para a semente, tornou-se sutil; está lá dentro de você, observando a hora certa de voltar a se manifestar; depois, à noite de novo se manifesta. Onde foi que desapareceu o seu dia? Você já observou isso? Enquanto está dormindo, para onde foi todo o mundo do dia? O comércio, a política, a identidade, tudo desapareceu — você voltou às sementes. Mas de
manhã o sol nasce e você se levanta outra vez. De onde você vem? Do não-manifesto novamente para o manifesto — é um movimento centrífugo e centrípeto.

O lótus fecha, o lótus se abre... numa medida regular.

E isso é um fenômeno de energia, sem nenhuma personalidade, é impessoal. Impessoal, belo. Se fosse pessoal se tornaria feio. Todas as religiões tornaram-se feias porque fizeram desse fenômeno algo pessoal, criaram nele uma pessoa. Essa pessoa é apenas um fenômeno imaginário que você criou. É por isso que existem milhares de deuses e todo o mundo tem sua própria noção de Deus. E quando se tem uma noção de Deus, as noções alheias parecem erradas, e então surgem os conflitos, os argumentos. E a sua noção de Deus não pode estar certa, porque você não está certo. Uma pessoa que está certa não precisa de nenhum Deus.

Veja Buda, Heráclito, eles não precisam de nenhum Deus. H.G. Wells escreveu que Buda é o homem menos divino e ao mesmo tempo o mais divino. Pode-se encontrar alguém mais divino do que Buda? — e menos divino? Ele nunca fala sobre Deus — porque não projeta. Não tem nenhum medo interior para criar uma projeção. Ele não tem medo, então Deus desaparece — o seu medo é a causa. E quando Deus desaparece, toda a existência existe para que você sinta prazer e celebre.

Energia é deleite. Blake disse que energia é deleite.

Quando não há nenhum Deus você é livre, totalmente livre. Quando há um Deus lá em cima manipulando, você jamais pode ser livre — só pode ser uma marionete, com todas as cordas presas em Suas mãos. Todas as pessoas religiosas tornaram-se marionetes porque para tudo existe alguma outra pessoa responsável. Uma pessoa religiosa é totalmente livre. Religiosidade é liberdade. E com Deus não pode haver nenhuma liberdade.

Como pode haver liberdade se existe um criador? Porque a qualquer momento Ele pode mudar de ideia — e Ele parece ser muito louco — pode mudar de ideia a qualquer hora e dizer: "Muito bem, desapareça!" Assim como a Bíblia conta que Ele disse: "Faça-se a luz", e a luz foi feita, a qualquer momento Ele pode dizer: "Que não haja luz". E então? — a luz desaparecerá. Então vocês não passam de marionetes. Parece que Ele joga xadrez e vocês são apenas as peças do jogo; seja o que for que Ele queira fazer com você, Ele faz. Isso parece muito feio.

Se não existe liberdade não pode haver nenhuma consciência pois a consciência cresce com a liberdade. E a liberdade total só é possível quando não há ninguém controlando, manipulando, nenhum chefe; só então há liberdade. Mas a liberdade lhe dá medo. Você não quer ser livre. Você quer ser escravo — é por isso que inventa Deus. E se não existir nenhum Deus... por exemplo, os comunistas tentaram uma religião sem deus.

Mas o homem é tão medroso que não pode viver sem deuses; assim os comunistas criaram os seus próprios deuses. Lênin tornou-se um deus; agora o adoram. Agora Lênin não é um mortal comum—é um deus.Você não pode escapar porque sente medo. Somente um homem que não sinta medo nenhum, que seja destemido, que tenha chegado a um acordo com a existência, que tenha entendido que estar com a existência e fluir com ela é estar cheio de graça, pode viver sem imaginação — pode viver com a verdade. É, difícil viver com a verdade — é muito fácil viver com mentiras. É por isso que você inventa mentiras ao seu redor.

Noventa e nove por cento das coisas que o rodeiam são mentiras. Mas você se sente confortável com elas, sente-se acomodado; são mentiras confortáveis. A verdade é incômoda porque requer uma mudança radical. E esta é a mudança mais radical que pode acontecer a um homem: viver sem Deus. E se você puder viver sem Deus, você se tornará um deus, tornar-se-á divino. Se você continuar imaginando um deus, permanecerá um escravo. Com um deus sobre a sua cabeça, você será um escravo.
Quando não há mais nenhum chefe, você mesmo se torna um deus.

Eu lhe digo: não existe nenhum Deus — mas todo mundo é Deus, tudo é divino. Não há nenhuma pessoa controlando, porque então a existência inteira seria feia, uma escravidão, um grande campo de concentração; seria uma prisão. Nenhum Deus: a vida é uma liberdade — você pode escolher! Se quiser ser miserável, seja, a escolha é sua. Se quiser ser feliz, seja, a escolha é sua. Se você se sente feliz sendo miserável, tudo bem.

Existem pessoas que se sentem muito felizes sendo miseráveis, porque através de suas misérias atraem a compaixão. Através de suas misérias elas pedem simpatia; através de suas misérias elas mendigam amor — mas quem pode amar uma pessoa miserável? A menos que seja um Buda, é impossível amar um miserável. Você está num caminho suicida. Se você estiver pedindo amor através da sua miséria, você poderá ganhar um pouco de simpatia, mas não amor. E essa simpatia será dada com muita má vontade, pois quem está pronto para dar amor a uma pessoa miserável? E a própria pessoa que dá tem necessidade, ela mesma é miserável. É por isso que as pessoas falam demais a respeito de suas misérias.

Ouça o que elas dizem: noventa e nove por cento das pessoas falam a respeito das misérias, engrandecem suas misérias, fazem com que elas pareçam as maiores possíveis. Isso é impossível, pois você é pequeno demais para carregar misérias tão grandes —mas você está pedindo simpatia.

E o homem teme a liberdade. Existe um medo profundamente enraizado da liberdade, porque com ela vem a insegurança, com ela vem o desconhecido, com ela você não sabe de antemão o que vai acontecer. Com um Deus e um destino tudo é seguro. Você pode perguntar ao astrólogo, pode consultar a cartomante e eles lhe dirão sobre oseu futuro. Sem nenhum Deus não há nenhum destino. E os astrólogos são inúteis. Não se pode dizer nada sobre futuro. O futuro permanece uma situação aberta — sem nada fixo, com tudo flexível e fluido. Com a liberdade você se torna uma fluidez.

Com Deus como patrão, você está seguro; alguém está tomando conta de você e Ele sabe o que fazer e o que não fazer. Nesse sentido, a percepção de Heráclito é mais profunda do que a de Jesus. Nesse sentido, Heráclito saiu-se melhor do que Jesus ou Maomé — sua percepção é tão profunda quanto a de Zaratustra, a de Buda e a de Mahavira — porque Jesus está sempre falando em termos de Deus, de Criação, de Pai, de Filho. Talvez tenha falado nesses termos devido à atitude infantil dos judeus, talvez pelas pessoas que o rodeavam.

Mas Heráclito não se importa com você: diz exatamente qual é a verdade. Não se importa se você será capaz de entender ou não: simplesmente afirma a verdade. Se você quiser entender, crescerá. Ele não descerá até você, você terá de ir até ele. E essa é exatamente a minha atitude também. Direi exatamente o que sinto. Se você quiser me entender, terá de crescer na minha direção. Eu não vou descer para lhe falar nos seus termos, porque isso não adianta nada.

Por causa disso, Jesus deixou que a coisa toda se perdesse e o cristianismo nasceu, não sendo nada mais do que uma nova versão da religião judaica, nada de novo: o judaísmo um pouco modificado aqui e ali, nada mais — porque Jesus usou toda a terminologia judaica. Como se pode criar um mundo novo a partir do velho? Ele fez concessões — porque Jesus nunca pensou que haveria uma nova religião. Ele permaneceu judeu, morreu judeu; ele nunca foi cristão. E nunca imaginou que haveria algo novo; ele viveu na congregação. E usou palavras gasta, palavras do passado—vem daí a feia aparência do cristianismo.

Heráclito é absolutamente novo. É por isso que a mente grega não podia absolutamente entendê-lo, ele não tinha nenhuma raiz no passado.

Quando eu morrer, onde vocês me porão? Na Índia não poderão encontrar raízes para mim. Eu nasci jainista, mas você não encontrará em mim qualquer raiz jainista; você simplesmente não poderá encontrar qualquer raiz. Se você diz exatamente o que você entendeu, o que você compreendeu, então não há nenhuma raiz, porque a Verdade não tem raízes na sociedade —tem raízes na existência, mas não na sociedade.

É por isso que um homem como Heráclito é tão enigmático, e até mesmo um gênio como Aristóteles diz: "Esse Heráclito é absurdo. Cria enigmas, e a filosofia existe para resolver as coisas e não para criar enigmas." Ele não está criando nenhum enigma. Parece confuso porque está afirmando um novo fenômeno com o qual ele se deparou. Não está usando termos velhos, usados, de segunda mão. Ele diz:Este universo, que é o mesmo para todos, não foi feito por nenhum deus ou homem, mas existiu, existe e existirá — um fogo eternamente vivo, que acende a si próprio por medidas regulares e se apaga por medida regulares.

Essa energia tem seu próprio sistema intrínseco. É um cosmo, não um caos — e sem um chefe. É energia mais liberdade, e mesmo assim há uma disciplina. E essa disciplina é a harmonia oculta, a harmonia interior. Não há nenhum chefe e mesmo assim não há caos; não há ninguém dirigido, e todavia tudo é dirigido de uma maneira tão bela — você não pode aperfeiçoá-la. Essa é a harmonia oculta.

Quando há um diretor e ele dirige, você pode ter certeza de que num lugar ou noutro alguma coisa sairá errada. O cosmo é belo porque não há ninguém que o dirija. Isso será difícil de entender. As pessoas religiosas dizem: "Como esse mundo pode se tornar um cosmo se não há ninguém que o controle? Sem um controlador tudo se despedaçará." Mas Heráclito dirá: "Exatamente, precisamente por não haver ninguém controlando é que as coisas não podem se despedaçar." Quando você controla, você administra mal. Não se pode encontrar administradores piores do que os controladores — eles administram mal.

É isso o que diz Lao Tsé. Ele diz: Quando não havia regras tudo era belo; quando não havia leis, não havia nenhum crime, e quando não havia homens sábios, não existiam tolos. As coisas se moviam em sua beleza cósmica... então apareceram, os reguladores. Disseram que as regras eram necessárias. Com as regras entraram os desregramentos, pois o oposto existe sempre. Vieram os sábios e disseram que o homem tinha de ser disciplinado. Então os homens se tornaram rebeldes e tudo saiu errado. Viriam leis, leis e mais leis, e o homem tornou-se cada vez mais criminoso.

É isso o que Heráclito diz. Diz que precisamente por não haver ninguém para controlar, como podem as coisas sair do controle? A energia em si tem um guia interior, intrínseco.E ouça isso também para a sua vida. Se você é guiado pelas suas percepções interiores, se pode ouvir o seu coração, não há necessidade de nenhuma disciplina. Você pode se mover em completa confiança. Tudo será bom. Mas por você não poder ouvir o seu próprio coração, precisa ouvir vários manipuladores, que dizem: "Faça isso!" e eles dizem tanto "Faça isso! Não faça aquilo!" que você fica confuso, não sabe o que fazer.

Uma religião ensina uma coisa, outra ensina outra coisa. Uma moral diz que uma coisa é moral, outra diz que é imoral. Você simplesmente se confunde. E não pode encontrar o seu próprio coração, de onde vem o guia espontâneo, intrínseco, natural. Quanto mais lhe ensinam, mais confuso você se torna.

Heráclito diz que tudo se move por uma harmonia interior. Quem está controlando essas árvores? Quem as ensina que: "Agora é hora de florescer"? Quem diz às nuvens que: "Agora é hora de se aproximar e trazer chuva?". Ninguém. Lembre-se: se houvesse alguém, as coisas não dariam certo, pois como uma coisa tão vasta pode ser controlada? Mesmo que houvesse um Deus, até Ele ficaria doido — pense na imensidão das coisas, na grandiosidade delas, na vastidão! — até mesmo Deus já teria endoidado há muito tempo, teria enlouquecido, simplesmente teria desaparecido do mundo ou o mundo teria desmoronado.

O mundo só pode permanecer um cosmo porque a harmonia não está sendo forçada de cima, a harmonia vem do interior. Existem dois tipos de disciplina. Uma disciplina que é forçado de fora: alguém diz: "Faça isso!". — e outra disciplina que vem de dentro: você sente o que será natural, sente onde o seu ser está fluindo, e move-se com os seus sentimentos; então uma disciplina interior acontece. A disciplina exterior é uma fraude e isso cria uma confusão, uma fenda em você. O interior e o exterior se opõem, tornam-se antagônicos.

Há poucos dias atrás, um homem me procurou e disse — assim como todos os religiosos estão sempre dizendo — ele disse: "Estou sempre me tornando vitima das coisas exteriores e me esqueço do interior."

Perguntei a ele: "Por favor, dê-me um exemplo concreto — o que você quer dizer?"

Ele disse: "Por exemplo, sei interiormente que deveria ser fiel à minha esposa, mas sempre me apaixono por outras mulheres."Então, tive de dizer a ele: "Você parece estar confuso. Não sabe o que é interior e o que é exterior. A esposa é o exterior e você pensa que é o interior. Você ama a sua esposa?"

A esposa é o interior forçado pela sociedade, forçado pelo seu próprio ego, um fingimento por você querer manter uma imagem social de bom marido. Isso é exterior e ele dizia que era o interior. E quando você se apaixona por outra mulher — sem que ninguém o force a isso, pelo contrário, estão todos impedindo — isso é interior! Mas a sociedade o confundiu completamente, deixou-o desorientado. Diz que o exterior é o interior — enganou-o completamente. Diz que o interior é o exterior.

Você continua num jejum e pensa que ele é a voz interior — essa é a sua religião, as suas escrituras, os seus sacerdotes, O seu interior diz: "Você está com fome, coma!" E você pensa que isso é o exterior, que você está sendo tentado pelo diabo. Que tolice! Os sacerdotes o tentaram a jejuar. Não existe nenhum diabo! Os sacerdotes são as únicas forças demoníacas deste mundo.

A fome vem, ela é o interior. O corpo todo, cada célula diz: 'Coma!' e você diz: "É o exterior. Alguém está tentando-me, alguma força do mal. Ou então é desejo, é o corpo, e o corpo é o inimigo — minha alma está tentando-me, alguma força do mal. Ou então é desejo, é o corpo, e o corpo é o inimigo — minha alma está em Jejum.". Alma em jejum? A alma jamais precisa de alimento, como pode jejuar? Você está forçando seu' pobre corpo.

Mas existe um jejum natural também; o dos animais. Não existe nenhum pregador, nenhum sacerdote que os ensine, mas acontece. Se você observar um cachorro, verá que ele não comerá se não estiver se sentindo bem — isso é interno. O jejum de um cachorro é interno. Que absurdo! E o jejum de um homem é quase sempre externo. Somente um cachorro pode jejuar interiormente porque ainda está em contato com a natureza, você não. Quando o corpo está doente, nenhum animal pode ser forçado a comer. Se você o força, ele vomita. Isso é bonito. O corpo não precisa de alimento; está doente.

Toda energia é necessária para a cura do corpo, e essa energia será desviada se você ingerir alimentos, pois para digeri-los, é necessária energia, o alimento será um peso. O corpo não está em boas condições; toda a energia é necessária para que o corpo se cure, e se for jogado alimento dentro dele, isso causará uma divisão. A energia como um todo não se moverá para a cura; será impedida —antes o alimento terá de ser digerido.

Se na sua doença você simplesmente ouve o seu interior e não come, isso é bonito. Às vezes você não sente fome e então não come. Mas não jure que deixará de comer por alguns dias, porque — quem sabe? — à noite você talvez sinta fome. Mova-se com a natureza. Quando ela quiser que você jejue, faça jejum.Quando quiser que você coma, coma.

O interior precisa ser encontrado porque a sociedade o confundiu completamente. O que é interior e o que é exterior: há uma grande confusão. E, quase sempre, tudo o que você acha que é exterior geralmente é interior, e tudo o que você acha que é interior geralmente é exterior, e tudo o que você acha que é interior, fatalmente é exterior, porque os sacerdotes fizeram isso —os sacerdotes são forças destrutivas.

Para mim, existe apenas uma religião e essa religião é encontrar a voz interior, o guia interior. E a pessoa que o ajuda a encontrar o seu guia interior é o Mestre. Ele o ajuda — não a impor a você mesmo uma disciplina exterior, simplesmente o ajuda a encontrar a harmonia interior, que lhe traz disciplina.

E essa disciplina tem uma graça porque não é forçada. Essa disciplina tem uma beleza própria porque é sempre nova. E com essa disciplina você não pode se desviar, pois com essa disciplina você não pode se rebelar. Ela é você, é o seu centro mais profundo.

E o mesmo está acontecendo em maior escala com todo o cosmo.

As fases do fogo são o desejo ardente e a saciedade.

E o fogo tem duas fases: desejo ardente, quando você está com fome... Os hindus o chamam de jatharagni, o fogo da fome. O seu estômago arde realmente quando você sente fome ---- quando está realmente com fome. Porque você está num estado tão mal que não sabe quando está com fome e quando não está. Todos os dias você come a sua comida a uma hora, e diariamente, nessa mesma hora, a fome vem. Essa fome é
psicológica.

Você não sente esse fogo no estômago; é só por causa do relógio. O relógio diz que é uma hora e a mente diz: "Está na hora de sentir fome." Imediatamente você sente fome. Isso é uma projeção. É uma falsa fome. E se você esperar meia hora, a fome desaparecerá automaticamente. Como uma fonte de verdade pode desaparecer com tanta facilidade? A fome real aumentará cada vez mais. O fogo ficará cada vez mais ardente no estômago. Você começará a sentir dor, como se o corpo estivesse queimando. Sentirá febre. O corpo precisa ser saciado, ele está exigindo; precisa de energia. Mas se a fome for falsa, ela desaparecerá. Quando o relógio apontar duas horas, a fome terá desaparecido.

Observe! Sinta fome de verdade e então coma. Observe! Sinta sono de verdade e então durma. Levará alguns meses até que isso se estabeleça, porque toda a civilização,toda a cultura, toda a sociedade e educação ajudaram a desviá-lo do caminho certo. O caminho certo é sempre natural — é o Logos.

As fases do fogo são o desejo ardente e a saciedade.

São essas as duas fases do fogo, o biofogo interior, a bioenergia. Você sente fome, come, sente-se satisfeito. Essa satisfação também é uma fase do fogo. O fogo baixou, agora não há chamas, ele desapareceu. É um pralaya, uma descriação, uma involução.

Depois vem novamente a outra fase. O círculo se move, a roda gira: de novo vem a fase da fome, e outra vez a saciedade. Você se sente sensual, vem a luxúria, depois a saciedade. Você sente o amor e a saciedade. Você não pode amar vinte e quatro horas por dia porque o fogo tem duas fases. Os maridos e esposas tentam fazer o impossível: querem amar um ao outro durante vinte e quatro horas, e então tudo se perde. Você não pode, porque ninguém pode comer durante vinte e quatro horas. Amor é alimento. Você consegue comer durante vinte e quatro horas? Você precisa de intervalos para que a comida seja absorvida, a energia seja usada e o corpo sinta fome novamente.

Como se pode amar durante vinte e quatro horas? E me você tentar o impossível, ficará numa péssima situação. Quanto mais você forçar, mais as coisas se tornarão falsas. E por isso que os maridos e esposas perdem toda a beleza do amor. Tudo se torna falso e forçado. Quando eles eram amantes tudo era belo, porque se encontravam uma vez ou outra e havia a fome que precisava ser saciada. Às vezes tinham de esperar dias para que o amante viesse — e havia fome. E quando há fome profunda, o amor satisfaz
profundamente.

Quando maridos e esposas estão pendurados um no outro vinte e quatro horas, ficam um em volta do outro como sombras, então não há fome. E é claro que não há saciedade também. Então toda a beleza desaparece. Lembre-se disto: se você ama uma pessoa, deixe-a ficar só para que a fome surja. Ela tem de ficar, ou então o amor também seguirá o relógio.

Uma dia, Mulla Nasrudin chegou em casa e encontrou o seu melhor amigo beijando sua esposa. Ele disse: "O quê! Não posso crer no que vejo! Tenho de acreditar, mas por que você?"

Um marido não consegue acreditar porque o amor se torna um dever. Quando o amor se torna um dever, já está morto — é então uma imposição exterior, e o interior se perde. O amor é uma fonte, não um dever. Tem então uma fase de saciedade. Quando o amor é satisfeito você se sente absolutamente abençoado; tudo está bem; você pode abençoar toda a existência e ser abençoado por ela. Tudo é simplesmente maravilhoso .. .mas precisa ser através da fome.

Heráclito está dizendo que o homem é uma miniatura de todo o cosmo. E o mesmo é válido para o Todo; o Todo passa por duas fases. Quando o Todo sente fome, há então muita atividade e criação. As coisas crescem, manifestam-se, as plantas florescem, as pessoas amam, as crianças nascem — tudo é uma atividade dinâmica. Então, satisfeita, a Existência move-se para a fase da saciedade — tudo desaparece. Nenhuma planta, nenhuma terra, nenhuma estrela, nenhum sol — o fogo repousa.

O sol é novo a cada dia.

E esta é uma das máximas mais penetrantes de Heráclito.

O sol é novo a cada dia.

A fome é nova a cada dia. O amor é novo a cada dia. A vida é nova a cada dia.

Dizer "a cada dia" não é bom — cada movimento, cada gesto, cada momento, tudo é novo. De onde vem, então, o velho? Por que você fica enfastiado? Se tudo é tão novo, e você não pode pular duas vezes no mesmo rio, não pode ver de novo o mesmo nascer de sol; se tudo é tão novo e fresco, por que você se torna morto e entediado? Porque não vive a partir dessa harmonia interior. Você vive pela mente. A mente é velha.

A mente é passado, é memória acumulada. E se você olha através da mente, ela atribui uma mortalidade e velhice a todas as Coisas, então tudo parece empoeirado e sujo — por causa da mente. Ponha a mente de lado, ponha de lado as memórias! Se você puder por as memórias de lado, a sua mulher será nova a cada dia, porque é só por causa das memórias que você pensa que está vivendo com essa mulher há trinta anos e a conhece bem. Quem pode conhecer? Ninguém conhece jamais. Permanecemos estranhos, eternamente estranhos. Como se pode conhecer uma pessoa? Uma coisa pode ser conhecida, uma pessoa não, porque uma coisa pode ser esgotada. Agora os cientistas dizem que até as coisas não podem ser conhecidas porque também não podem ser esgotadas.

Como você pode conhecer uma pessoa? Uma pessoa é livre. Muda a cada momento. Se você não pode pisar duas vezes num mesmo rio, como pode encontrar a mesma pessoa novamente? Se até mesmo os rios são tão mutáveis, a consciência, a corrente da consciência, não pode envelhecer. Se você puser a mente de lado, se não olhar com velhos olhos, então a sua esposa será nova, cada gesto será novo. Há então uma excitação constante e continua em sua vida, uma continua vivacidade.

Hoje você sentirá fome — essa fome é nova. E hoje novamente, quando você comer, essa comida será nova — porque nada pode ficar velho na existência. A existência não tem passado. O passado faz parte da mente. A existência está sempre no presente, é nova, fresca, sempre se movendo, uma força dinâmica, um movimento dialético, é como o fluxo de um rio.

Se você conseguir perceber isso, então nunca ficará entediado. E o tédio é o maior mal — mata profundamente, é um veneno lento. Aos poucos você vai ficando tão entediado que se torna um peso morto para si mesmo. Então toda a poesia da vida desaparece. Nenhuma flor desabrocha e nenhum pássaro canta. Você já está enterrado, já está sob o seu túmulo.

Diz-se que as pessoas morrem aos trinta e são enterradas aos setenta anos. Trinta anos já me parece muito; esse provérbio deve ser muito antigo; agora isso não é mais verdade — eu diria vinte anos. Mesmo isso já é demais. Os jovens me procuram, gente jovem, com dezoito, vinte anos, e dizem: "Estou cansado." Já estão velhos. Voas já os ensinaram, já condicionaram suas mentes. Eles já estão morrendo. Antes de ficarem jovens, já estão morrendo.

Lembre-se: a juventude é uma qualidade do ser. Se você puder olhar o mundo sem a mente, permanecerá jovem para sempre. Mesmo na sua morte, você será jovem, se sentirá excitado com a aproximação da morte; se sentirá muito excitado — uma grande aventura, uma culminação, uma porta que se abre para o infinito.

A fome passou, agora vem a saciedade. Agora você está entrando no repouso. Agora você será uma semente, e a semente repousará e dormirá durante muitos anos. E de novo você brotará, de novo abrirá os olhos —mas nunca será o mesmo.

Nada é igual. Tudo continua mudando. Só a mente está velha e morta. Ser capaz de olhar para a vida sem a mente é meditação.

OSHO, em "A Harmonia Oculta"



Esta Palestra Foi Proferida em (29 de dezembro de 1974)
Discursos Sobre os Fragmentos de Heráclito

Nenhum comentário:

Postar um comentário