segunda-feira, 9 de abril de 2012

Desmascarando Nossa Sombra







Outro modo eficaz de encontrar nossas partes rejeitadas é exa­minar os padrões repetitivos de comportamento com os quais relutamos durante anos.Esses padrões de comportamento, que se originam de nossas partes repelidas, tornam-se um me­recido castigo.









Frequentemente, iludimo-nos para acreditar que nosso comportamento inaceitável é o problema, em vez de buscar a causa dele.Podemos passar anos lutando com aque­les cinco quilos, com o cigarro, com conquistas vãs ou gastos excessivos, para então nos encontrar exatamente onde começa­mos, ou em posição ainda pior.

Mas, se compreendemos que os padrões de comportamento foram formados a partir de senti­mentos reprimidos ou de um aspecto rejeitado e envergonha­do de nossa sombra, podemos ir à fonte do comportamento e desmantelar esse padrão.Todo comportamento habitual se origina de uma expe­riência ou experiências do passado que nos levaram a criar interpretações de nós mesmos.

Com base nessas interpretações surgiram determinados pensamentos que produziram senti­mentos próprios sobre nós mesmos, frequentemente negati­vos.O desejo de nos distanciar desses sentimentos indesejados nos leva a encontrar meios de nos sentir melhor; consequente­mente, surgem os comportamentos sabotadores.

Annette tinha seis ou sete anos na primeira vez que a mãe lhe disse que ia sair e a deixou em casa sozinha. À medida que escurecia, ela ficou perambulando pelo apartamento vazio e concluiu que a mãe não a amava. Ficou atormentada pela ideia de que algo ruim fosse acontecer e ela ficaria solitária para sempre.

Isso a levou a se sentir sozinha, assustada, em pâ­nico e, acima de tudo, diferente das outras crianças, cujas mães ficavam em casa e faziam o jantar. Para afogar esses senti­mentos, Annette se viu indo inúmeras vezes à cozinha, onde a mãe tinha deixado uma caixa cor-de-rosa com rosquinhas.

Ela aprendeu que, ao menos por um curto período, as guloseimas faziam com que seus sentimentos não fossem tão dolorosos. Se examinarmos nossos padrões de comportamento — principalmente aqueles que não desejamos repetir —, sempre des­cobrimos um aspecto nosso que estamos tentando ocultar ou encobrir.

Os padrões repetitivos nos quais nos vemos encur­ralados sempre ecoam sentimentos que acompanham a ferida original.Então, num grande disfarce, criamos padrões de com­portamento que acabam reforçando a ferida, em vez de nos dar o alívio que buscamos.

Helena estava constantemente oprimida e ansiosa, porque se via adiando projetos de trabalho, tarefas de casa e coisas como trocar o óleo do carro ou marcar uma consulta no den­tista. Toda vez que ficava cara a cara com as consequências de sua procrastinação, prometia a si mesma que mudaria.

Para Helena ficou claro que esse padrão de comportamento a debilitava emocionalmente. Cheia de tristeza, Helena me ligou manifestando que já não podia mais aguentar. Depois de ouvir suas queixas, perguntei se ela já estava pronta para encontrar a raiz desse padrão, a porção da sombra que a impedia de ter uma vida tranquila e prazerosa. Agitada e ligeiramente resig­nada, ela concordou.

Então, fiz a primeira pergunta: Que tipo de pessoa procrastina? Subitamente, ela viu a imagem do padrasto, deita­do no sofá, com a televisão no último volume; ele não fazia o trabalho em casa, e a mãe dela ficava furiosa. Ao localizar a raiz do problema, ela sentiu o constrangimento e a vergonha de perceber que, carregava aquela mesma característica in­desejada que o padrasto possuía.

Quando perguntei que interpretação ela tinha do padrasto, ela me disse que o consi­derava um preguiçoso, embora fosse muito bem-sucedido na carreira. Helena, que, à época, estava perto de completar 13 anos, decidiu que daquele dia em diante jamais seria pregui­çosa como o padrasto.

Na verdade, as pessoas que a cercavam diziam exatamente o contrário — que ela tinha iniciativa, era altamente produtiva e vigorosa. Mas Helena sempre soube do que deixava por fazer.

Ela relembrou as palavras que eram ditas aos berros para o padrasto: "Você é um preguiçoso que não serve pra nada!", e facilmente identificou o diálogo in­terno que sempre a atormentava; a verdade desmoralizadora era que, cada vez mais, a cada ano, ela repetia essas mesmas palavras para si mesma.

Mas agora, como adulta, via que, mesmo estando extremamente ocupada, fazendo mil coisas ao mesmo tempo, ela não conseguia fazer o que era realmente importante para o próprio sucesso.

Embora tivesse ficado assustada com a ideia de ser preguiçosa como o padrasto, conseguiu ver essa característica obscura, que ocultara com tanta destreza e se enrai­zara em sua vida, mas que agora tinha de ser arrancada se quisesse se livrar desse padrão autodestrutivo.

Não demorou muito para que aceitasse que, de fato, era preguiçosa. Diante da verdadeira fonte de seu comportamento, ela pôde começar a fazer as pazes com sua parte preguiçosa, de modo que isso não minasse as escolhas diárias nem lhe roubasse a autoestima e os sonhos.

Cada vez que encontramos um comportamento que ameaça a paz de espírito, a felicidade e a segurança, é como urna súplica para prestarmos atenção ao chamado do mundo interno e examinarmos a raiz de nosso comportamento. Ao fazer isso, revelamos um aspecto de nossa sombra.

Não precisa levar um ano, ou uma vida inteira. Pode levar cinco minutos de hones­tidade radical para que se destrinche um padrão do passado. Se encontrarmos dentro de nós um impulso que escondemos, sem saber, temos o direito e a habilidade de trazê-lo à luz da consciência, de perdoar a nós e aos outros pela dor que vivenciamos, e nos libertar do comportamento autodestrutivo.

Talvez a negligência pessoal seja um padrão de comportamento que você precise confrontar. Você se apresenta para os outros, mas não faz a menor ideia de como estar presente para si próprio. Seus sonhos foram colocados em espera, enquanto você apoia o marido, ou a esposa, os filhos, os irmãos e os ami­gos, para que tenham suas necessidades atendidas.

Finalmente, você não consegue aguentar mais nem um dia negligenciando a si mesmo e aos próprios anseios. Você traça esse padrão de comportamento de modo retroativo ao perguntar: "Que tipo de pessoa sairia em busca de seus sonhos e não estaria presen­te para outras pessoas?". A resposta que você ouve é: "Uma pessoa egoísta". Por um momento, você se sente feliz por não ser egoísta, pois detesta gente egoísta.

Olhando para trás, você se lembra de que lhe disseram, repetidamente, o quanto é ruim ser egoísta. Então, tomou a decisão que achou certa — você jamais seria assim. Tornou-se, aliás, o oposto — uma pessoa de gran­de coração, amorosa, que faria qualquer coisa pelo mundo —, e, com esse compromisso interno, agraciar às pessoas passou a ser seu padrão.

Para fazer as pazes e romper esse ciclo, agora você precisa confrontar o desgosto que sente pela noção do que é ser egoísta e expor os julgamentos que manteve em relação a todos que, no passado, considerou egoístas. Você tem de admitir as cono­tações negativas que atrelou à palavra "egoísta", disposto a ver que a maneira como está interpretando a palavra é limitadora, rígida, e priva os outros do direito de ser assim.

Você precisa verificar quando e onde lhe foi dito que pessoas egoístas eram ruins e estavam erradas. Tem de estar disposto a abrir o cora­ção à sua parte egoísta e perdoar todos aqueles que lhe trans­mitiram o reflexo de que ser egoísta é ruim. Precisa aceitar a visão dualista de que o fato de ser humano vem com uma dose saudável de egoísmo e uma dose igual de abnegação.

Se não está disposto a isso, ou é incapaz de encontrar uma visão posi­tiva quanto a ser egoísta, e insiste em manter essa característi­ca na sombra, continuará preso ao padrão de comportamento que o fará prosseguir negando o que é importante para seu crescimento individual e a realização dos anseios de sua alma.

Para abraçarmos o que nos manteve encurralados, preci­samos juntar coragem para encontrar a dádiva do self egoísta. Se a negligência pessoal é um padrão, ser egoísta é uma qua­lidade vital a ser abraçada, de modo a encontrar o verdadeiro self.

É ótimo apoiar os outros na realização de seus sonhos — eu, por acaso, faço isso como meio de vida. Mas, se nunca pudesse optar por um comportamento egoísta, jamais poderia acabar de escrever um livro, porque sempre seria levada a atender ao telefone, ou ajudar as inúmeras pessoas que precisam de mim a cada dia.

Se não podemos optar entre egoísmo e abnegação, seremos levados a ignorar algo que pode realmente ser importante no fim da vida. A liberdade é ser capaz de escolher entre quem e o que queremos ser, em qualquer momento de nossa vida.

Se temos de agir de determinada maneira, para evitar ser algo de que não gostamos, estamos encurralados. Limitamos nossa liberdade e nos privamos da plenitude. Se não podemos ser preguiçosos, nem ficarmos zangados, não podemos ser li­vres.

Ao recuperar essas nossas partes, é vital lembrar que o es­tamos fazendo para assumir a verdadeira magnificência. Algo que é dito de uma forma melhor por C. G. Jung: "Prefiro ser pleno a ser bom". A princípio, seguir essa jornada ao passado pode dar uma ligeira sensação de temor. Mas o fato é que essa jornada é uma das viagens mais compensadoras que podemos fazer.

É intrigante desvendar nossa sombra, ver como ela criou raízes, e nos flagrar antes de dizer algo de que possamos nos arrepender depois. Nossas sombras estão ali, nos esperando, aguardando para nos oferecer perspectivas inestimáveis de nós mesmos. Jamais poderemos derrotar os comportamentos de sabotagem pessoal sem encarar as sombras que os incitam.

Não há padrão de comportamento que não possa ser rompido se estivermos dispostos a expor suas raízes e o aborrecimento emocional que nos levou a rejeitar o aspecto obscuro. Quando formos capazes de abraçar a parte que instituiu esse comportamento, reassumiremos o poder sobre nossas ações, interrompendo as reações automáticas dos padrões indesejados.

Esse processo frequentemente cria um enigma, pois, como seres humanos, somos programados para desejar segurança e, em geral, a re­petição dos antigos comportamentos é o que nos dá uma falsa sensação de segurança. De alguma maneira, parece mais fá­cil repetir o passado que examiná-lo de modo diferente.

Mas, para expor um comportamento de sabotagem pessoal repetiti­vo, temos de abrir mão da ilusão de sua segurança por um mo­mento, e estar dispostos a sentir o que está por baixo. E, quando nos vemos na presença de um dos aspectos da sombra, somos capazes de desvendar o mistério de nosso comportamento indesejado e fazer com que a mudança comece.

A medida que nos tornamos consciêntes do quanto é infrutífero sucumbir aos mesmos padrões antigos e desgastados, podemos nos voltar ao self corajoso, pedir apoio, ficar cara a cara com a parte obscura oculta e ser sinceros. Ao nos tor­narmos íntimos do elenco de personagens que formam nosso drama interior, podemos aprender a fazer as pazes com eles e apoiar a vida que almejamos.

Por outro lado, se falharmos no reconhecimento das forças oponentes que dão origem a es­ses personagens, podemos com facilidade cair na armadilha de acreditar em uma história sobre nós que seja apenas par­cialmente verdadeira, perdendo uma incrível oportunidade de ser um humano expresso integralmente.

Se nos recusarmos a reconhecer a dualidade interior, estaremos encurralados, identificando-nos com o personagem cuja voz é mais alta dentro de nós, não importa o que almeje ou tenha como missão.

Debbie Ford



 Fonte: Extraído do Livro "O Efeito Sombra"