terça-feira, 10 de dezembro de 2013

O Monge e o Mundano - A Batalha da Escolha






Osho,
Noutro dia, logo depois de eu chegar, começou a batalha entre sexo e silêncio, relacionamento e solitude. Eu senti na hora que era impossível uma síntese. Era como se eu tivesse de escolher um ou outro e que em ambos os casos eu perderia. Parecia, naquela hora, impossível ir direto ao céu sem passar pela terra.








"Prem Harish,
Este tem sido um dos maiores problemas através dos séculos: meditação e amor, solitude e relacionamento, sexo e silêncio. Somente os nomes são diferentes: o problema é um só. E, através dos séculos, o homem sofreu muito, porque o problema não foi compreendido corretamente - as pessoas escolheram.

Aqueles que escolheram o relacionamento são chamados de mundanos, e aqueles que escolheram a solitude são chamados de monges, os do outro mundo.

Mas ambos sofrem, porque eles permanecem divididos e ser dividido é ser infeliz. Ser inteiro é ser saudável, feliz; ser inteiro é ser perfeito. Permanecer dividido é ser infeliz, porque a outra metade vai continuar sabotando, a outra metade vai continuar se preparando para se vingar.

A outra metade não pode nunca ser destruída, porque ela é a sua outra metade. Ela é uma parte essencial de você; ela não é algo acidental que você possa descartar. É como uma montanha decidindo que "eu não terei vales ao meu redor". 

Ora, sem os vales, a montanha não pode existir. Os vales fazem parte do existir das montanhas: as montanhas não podem existir sem os vales. Eles são complementares, um ao outro. Se a montanha escolher existir sem vales, não existirá nenhuma montanha nunca mais. Se o vale escolher existir sem a montanha, não existirá nenhum vale tampouco - ou, você se tornará um simulador.

A montanha fingirá que não existe nenhum vale, mas o vale está ali - você pode esconder o vale, você pode mergulhá-lo lá no fundo do inconsciente, mas ele permanece, ele persiste, ele é existencial; não há meios de destruí-lo. Na verdade, montanha/vale é uma coisa só.

Assim, são o amor e a meditação; assim são o relacionamento e a solitude. A montanha da solitude só surge nos vales do relacionamento. Na verdade, você pode desfrutar a solitude somente se você puder desfrutar o relacionamento. É o relacionamento que cria a necessidade da solitude: trata-se de um ritmo.

Quando você entra num relacionamento profundo com alguém, surge uma grande necessidade de ficar sozinho. Você começa a sentir-se gasto, exausto, cansado - alegremente cansado, felizmente cansado, mas cada excitação é exaustiva.

Foi tremendamente belo relacionar-se, mas agora você gostaria de entrar na solitude, de modo que você possa novamente integrar-se, de modo que você possa se tornar novamente transbordante, de modo que você possa novamente tornar-se enraizado no seu ser.

No amor, você entra no ser do outro, você perde contato consigo mesmo. Você fica afogado, bêbado. Agora, você precisará descobrir-se novamente.

Mas, quando você está sozinho, você está novamente criando necessidade de amor. Logo, logo, você estará tão pleno, que você gostaria de compartilhar, você estará tão transbordante, que gostaria de alguém em quem se jorrar, a quem possa se dar. O amor surge da solitude.

A solitude o torna transbordante. O amor recebe seus presentes. O amor o esvazia, de modo que você possa se tornar pleno novamente. Sempre que você é esvaziado por amor, a solitude surge para nutri-lo, para integrá-lo. E isso é um ritmo.

Pensar nessas duas coisas como coisas separadas, tem sido uma estupidez, a mais perigosa estupidez, da qual o homem tem sofrido. Algumas pessoas se tornam mundanas - elas estão gastas, estão simplesmente exaustas, vazias. Elas não têm nenhum espaço delas mesmas. Elas não sabem quem são; nunca se encontram consigo mesmas.

Vivem com os outros, vivem para os outros. Fazem parte de uma multidão; não são indivíduos. E, lembre-se: a vida de amor não será, para elas, de preenchimento - será meia vida. E nenhuma metade pode jamais ser um preenchimento. Somente o todo é preenchimento.

E, então, há os monges que escolheram a outra metade. Eles vivem nos mosteiros. A palavra 'monge' significa "aquele que vive só"; a palavra 'monge' vem da mesma raiz de 'monogamia', 'monotonia', 'monastério', 'monopólio'. Ela quer dizer um, sozinho.

O monge é aquele que escolheu ser sozinho, mas, logo, logo, ele estará repleto, maduro, e não sabe onde se derramar. Onde derramar-se? Ele não pode permitir o amor, ele não pode permitir o relacionamento; ele não pode ir e se encontrar e se misturar com as pessoas. Agora, suas energias começam a azedar.

Qualquer energia que para de fluir, torna-se amarga. Até o néctar, estagnado, torna-se veneno, e vice-versa - até o veneno, fluindo, torna-se néctar. Fluir é conhecer o que é o néctar. E ficar estagnado é conhecer o que é o veneno.

Veneno e néctar não são duas coisas, mas dois estados da mesma energia - fluindo é néctar; congelada é veneno. Sempre que existe alguma energia e não há saída para ela, ela fermenta, torna-se amarga, torna-se triste, torna-se feia. Em vez de lhe dar inteireza e saúde, ela o torna enfermo.

Todos os monges são enfermos. Todos os monges estão fadados a serem patológicos.

As pessoas mundanas estão vazias, enfadadas, exaustas, estão se arrastando de algum modo, em nome do dever, em nome da família, em nome da nação - todas as vacas sagradas -; estão de algum modo se arrastando até a morte, só esperando que a morte venha e as libere. Elas conhecerão seu repouso somente em suas sepulturas. E uma vida que não conhece o repouso não é uma vida realmente.

É como música que não tem nenhum silêncio nela - então, ela é puro barulho, nauseante; ela o deixará doente. A grande música é uma síntese entre o som e o silêncio. E quanto maior a síntese, mais fundo a música vai. O som cria o silêncio, e o silêncio cria a receptividade para receber o som. E assim por diante: o som cria mais amor pela música, mais capacidade de se tornar silencioso.

Ao ouvir grande música, você sempre se sentirá em estado de oração, algo de totalidade - algo se integra em você. Você se torna centrado, enraizado. A terra e o céu se encontram, eles não são separados. O corpo e a alma encontram-se e se fundem, perdem suas definições.

E esse é um grande momento: o momento da união mística.

Harish, você diz: "Noutro dia, logo depois de eu chegar, a batalha começou entre sexo e silêncio..."

Essa é uma velha batalha, e tola, completamente tola. Por favor, tome cuidado: não crie nenhuma batalha entre sexo e silêncio. Se você criar uma batalha, seu sexo será feio, doente, seu silêncio será obtuso e morto. Deixe o sexo e o silêncio encontrarem-se e fundirem-se.

Na verdade, os maiores momentos de silêncio são aqueles que são seguidos pelo amor, o grande amor, os picos de amor. E os picos do amor são sempre seguidos por grandes momentos de silêncio e de solidão. A meditação conduz ao amor: o amor conduz à meditação. Eles são parceiros. É impossível dividi-los.

Assim, não é uma questão de se criar uma síntese - é impossível dividi-los - é uma questão de compreensão, ver que eles são indivisíveis.

Você diz: "...logo depois de eu chegar, a batalha começou entre sexo e silêncio, relacionamento e solitude. Eu senti na hora que era impossível uma síntese.".

A síntese é impossível, porque os dois são um só. Você não precisa sintetizá-los. Sua síntese será embromação; sua síntese estará basicamente errada, porque nenhuma síntese é necessária, você estará impondo uma falsa síntese.

A síntese já existe, ela já é o caso. Os dois são um só - dois aspectos da mesma moeda. Não é necessário sintetizá-los - eles nunca existiram separadamente. E o homem tem tentado, e tentado arduamente, mas sempre fracassou.

A religião ainda não se tornou a esfera noemática da Terra; a religião ainda não se tornou um força verdadeiramente vital, arrebatadamente viva no mundo. E qual é a razão? Esta divisão. Ou você tem de ser mundano ou você tem de ser do outro mundo - escolha! No momento em que você escolhe, você perde algo. O que quer que você escolha, você vai sair perdedor.

Eu digo: Não escolha. Eu digo: Viva os dois em sua unidade. É claro, é preciso arte para viver os dois. É simples escolher e se agarrar a um só. Qualquer idiota pode fazer isso - na verdade, somente os idiotas fazem isso. Alguns idiotas escolheram ser mundanos e alguns outros idiotas escolheram ser do outro mundo. O homem de inteligência prefere dos dois.

E eis do que se trata todo o meu sannyas. Vocês podem ter o bolo e comê-lo também - isso é inteligência. Seja alerta, consciente, inteligente. Veja o ritmo, e mova-se com o ritmo sem nenhuma escolha. Permaneça consciente sem escolha. Veja os dois extremos.

Na superfície, eles parecem opostos, contraditórios, mas não são. Lá no fundo, existe uma complementaridade. É o mesmo pêndulo que vai para a esquerda e para a direita. Não tente fixá-lo na esquerda ou na direita: se você fixá-lo, você terá destruído o relógio todo. E é isso o que tem sido feito até agora.

Aceite a via em todas as suas dimensões.

Eu compreendo o seu problema - o problema é simples, bem conhecido. O problema é este: quando você começa a se relacionar, você não sabe como ficar sozinho. Isso mostra simplesmente falta de inteligência. Não é que o relacionamento seja errado - isso mostra simplesmente que você ainda não é suficientemente inteligente.

Assim, o relacionamento se torna demasiado e você não encontra espaço para ficar sozinho, e você se sente exaurido e cansado. Então, um dia, você decide que relacionamento é ruim, que não tem sentido: "Quero me tornar um monge. Irei para uma gruta nos Himalaias e viverei lá sozinho.".

E você terá grandes sonhos de ficar sozinho. Como isso será bom! - ninguém abusando da sua liberdade, ninguém tentando manipulá-lo; você, absolutamente, não terá de pensar no outro.

Jean-Paul Sartre diz: "O inferno é o outro.". Isso simplesmente mostra que ele não foi capaz de compreender a complementariedade do amor e da meditação - o outro é o inferno. Sim, o outro se torna inferno se você não souber como ficar sozinho às vezes, no meio de todas as espécies de relacionamentos. Isso é tedioso, cansativo, exaustivo, enfadonho.

O outro perde toda a beleza, porque o outro se tornou conhecido. Você está bem familiarizado: agora, não há mais nenhuma surpresa. Você conheceu o território perfeitamente bem; você já viajou por todo o território por tanto tempo, que não há mais nenhuma surpresa. Você está simplesmente de saco cheio da coisa toda.

Mas você se tornou apegado, e o outro se tornou apegado a você. O outro também está infeliz, porque você é o inferno dele ou dela, bem como ele ou ela é o seu inferno. Ambos estão criando inferno um para o outro, e ambos estão apegados um ao outro, com medo de perder, porque... qualquer coisa é melhor do que nada.

Pelo menos, existe algo no qual se segurar, e a pessoa pode ainda ter a esperança de que amanhã as coisas serão melhores. Hoje elas não são melhores, mas amanhã as coisas serão melhores. A pessoa ainda espera e continua esperando. A pessoa vive em desespero e continua esperando.

Então, mais cedo ou mais tarde, a pessoa começa a sentir que seria melhor ficar sozinho. Mas, se você entrar na solitude, por alguns dias ela será tremendamente bela, como é belo com o outro - por alguns dias.

Assim como há uma lua-de-mel no relacionamento, há uma lua-de-mel na meditação também. Por alguns dias, você se sente tão livre - simplesmente ser você mesmo, ninguém lá para exigir nada de você. Se você quer levantar cedo de manhã, você se levanta; se você não quiser levantar cedo de manhã, você pode continuar dormindo. Se você quer fazer algo, tudo bem; se você não quer fazer nada, não há ninguém...

Por alguns dias, você se sentirá tão tremendamente feliz! - mas somente por alguns dias. Logo, logo, você ficará cansado disso. Você estará transbordando, e ninguém para receber seu amor. Você estará maduro, e a energia precisa ser compartilhada.

Você se tornará pesado, se tornará sobrecarregado com sua própria energia. Você gostaria de ter alguém para dar as boas vindas à sua energia, para receber a sua energia. Você gostaria de ser descarregado.

Ora, a solitude não se mostrará como solitude, mas como solidão . Agora, haverá uma mudança - a lua-de-mel acabou. A solitude começará a virar solidão. Você terá grande desejo de encontrar o outro. Nos seus sonhos, o outro começará a aparecer.

Vá e pergunte aos monges o que eles sonham: eles só sonham com mulheres; eles não podem sonhar com mais nada. Eles sonham com alguém que possa descarregá-los. Pergunte às freiras: elas sonham somente com homens. E a coisa pode se tornar patológica. Você deve tomar ciência da história dos cristãos.

Freiras e monges começam a sonhar até de olhos abertos. O sonho se torna uma realidade tão substancial, que não se precisa esperar pela noite. Mesmo durante o dia, a freira sentada ali, e ela vê o Demônio chegando, e o Demônio fica tentando fazer amor com ela.

Você ficará surpreso: muitas vezes aconteceu na Idade Média, de muitas freiras serem queimadas vivas, porque elas confessavam que tinham feito amor com o Demônio. Elas mesmas confessavam, e não é somente que tinham feito amor com o Demônio: elas ficavam grávidas do Demônio - uma falsa gravidez, puro ar quente na barriga, mas suas barrigas começavam a ficar cada vez maiores.

Uma gravidez psicológica. E elas descreviam o Demônio em tais detalhes... - aquele Demônio era pura criação delas. E o Demônio as seguia dia e noite...

E assim acontecia com os monges.

Isso é uma patologia. O homem sofreu por muito tempo, por causa disso. E outras patologias, que seus supostos religiosos continuam condenando, foram criadas pelos mosteiros. Aqueles mesmos santos são responsáveis por elas!

Os primeiros casos de homossexualidade aconteceram nos mosteiros: eles não poderiam acontecer em nenhum outro lugar - porque os homens viviam num mosteiro, as mulheres viviam noutro mosteiro, e não havia meios de se encontrarem, e a energia ficava fervente.

Sempre que haja muitos homens vivendo juntos, e nenhuma mulher, é natural que a heterossexualidade mude, vire homossexualidade, que as freiras se tornem lésbicas.

Esta escolha de ficar sozinho criou uma humanidade muito enferma. E as pessoas que vivem no mundo, não são felizes; e os monges não são felizes. Ninguém parece ser feliz. O mundo inteiro está em constante infelicidade. E você pode escolher de uma infelicidade a outra: você pode escolher a infelicidade mundana, ou a infelicidade do outro mundo - mas é infelicidade do mesmo jeito. Por alguns dias, você se sentirá bem.

Eu estou trazendo-lhes uma nova mensagem. A mensagem é para não escolher mais - permaneça alerta, sem escolha, em sua vida; e torne-se inteligente ao invés de mudar as circunstâncias. Mude sua psicologia, torne-se mais inteligente.

É necessário mais inteligência para ser mais venturoso! E, então, você pode ter a solitude junto com o relacionamento.

Osho, Philosophia Perennis, Vol. 1, # 5 



Fonte: Osho Sukul